Em reposição de 2004, um artigo meu na Luso Xadrez.
Gosto da cultura brasileira. Gosto pronto!
Desde o fim da minha adolescência que a cultura brasileira entrou nos meus gostos comuns, no meu plano de “crescer e não morrer estúpido”. Clarifico…gosto da cultura brasileira, mas de determinado “Brasil” muito meu, muito interior, “asa de imaginação”, porque nunca tive oportunidade de o abraçar na realidade física e corpórea.
Talvez como na “boutade” poética de Pessoa acredite que “viajar é perder países”, resta-me a consolação da viagem interior ao coração de determinados ternos aspectos de um Brasil muito,muito restrito e redutor, mas, muito intimo que só por leve pudor o confesso!
E torno a clarificar…nunca me interessou muito essa conversa fiada de “irmãos”, e “cassete gravada” das relações Portugal – Brasil! Não sou político, nem tenciono vir a ser, não sou cantor em futura tournée no Brasil, ou actor à procura de um espaçozinho em telenovela, nem sequer empresário à procura de oportunidade de mercado imenso, ou agente de futebolista interessado em vender perneta de segunda a Presidente de 5ª categoria de clube de 4ª .
Clarifico mais ainda…Nunca me interessou muito determinado Brasil que embora sabendo real, fica aquém da imensidão humana e cultural de uma nação imensa. Por outras palavras, Não morro de amores pelo Samba, nem me lambuzo “São Bernardo” pelas mulatas e menos mulatas de belos corpos esculturais (“siliconais” muitos?) a abanar-se freneticamente no sambodramo, e admirem-se, nem sequer me excitam particularmente os “fios dentais” em grandes ou menos grandes “bundas” de imagem de praia de Copacabana.
Não sou particularmente fanático, nem sequer palrador de telenovelas, não deliro com o futebol brasileiro actual, embora consiga ver e ver e ver como as pilhas duracel, imagens desse fantástico Pelé, ou dessa equipa intergaláctica do Mundial do México, não tomo “charope para a tosse” delicodoce de determinada música popular brasileira actual, quase fotocópia de belo embrulho de grandes nomes do passado mais presente.
Resumindo: não gosto muito, nunca gostei, dos “postais” ilustrados turísticos que os países gostam de apresentar, dos fogos fátuos promocionais, do efémero temporal em vez do sólido histórico. Eu sei que é polémico, pois é, mas que se há-de fazer? Há mais de 30 anos que penso assim em relação à cultura brasileira e hoje como se costuma dizer “ burro velho não muda”! Sou uma espécie de “velha meretriz”, muito de velhas, apaixonadas e se quiserem desdentadas e babosas paixões e amores em relação à cultura brasileira.
Olhem, por exemplo…gosto dos teólogos de libertação como Leonardo Boff, no ensino, as leituras de Paulo Freire foram um factor de crescimento na minha profissão de Professor, Ziraldo vai-me mostrando que humor e criança andam de mão dada, por obrigação paternal, habituei-me a adorar a Turma da Mónica na B.D., na música não dispenso da minha vida os clássicos: sim, o Rei Roberto, Jobim, o Chico Buarque, Caetano, O Toquinho, o Baden Powel, o “Sor” Alceu Valença, mas também a gigantesca Elis, a Bethânia, a Gal, a Nara, ou esses desconhecidos “chorinhos” de uma “Chquinha” Gonzaga ,de um Sivuca, ou essa Bossa Nova de um Luiz Bonfá, entre muitos outros! Na Pintura, gosto de despoluir o meu olhar nas gravuras de Portinari, Segall, di Cavalcanti, ou Emeric Marcier; No cinema o Glauber, no Xadrez, claro, esse Mequinho genial, ou as crónicas deliciosas dos Câmaras, ou alguns problemas de Valadão Monteiro e claro, essa minha primeira terna e para sempre “Bíblia” de aprendizagem xadrezística, que tal como o foi o “porquinho-da Índia” para o Bandeira, foi a minha primeira namorada, o “Xadrez Básico”. Na literatura, continuo a reler e sempre em constante descoberta os Grandes Mestres em poesia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Quintana, Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murillo Mendes, Vinicius de Morais, Jorge De Lima, Cabral Neto, ou esses maravilhosos cavalgadores de sonho e fantasia romanesca que foram essa única e irrepetível Clarice Lispector, esse portento da língua brasileira Guimarães Rosa, esse sensível Erico Veríssimo, esse arqueólogo de paisagens interiores José Mauro de Vasconcelos, ou que são, como esse pitoresco contador Ubaldo Ribeiro.
Blasfemo, gritarão alguns! Primário! Esquecido! Berrarão outros! Vulgar, fóssil e empedernido! Vociferarão, outros tantos! Mas…paciência meus caros! De amores não me aparto, nem com ilusões vãs me iludo já! Gosto, adoro e ninguém tem nada com isso!
Mas isto tudo a propósito de quê? Ah! Ia-me esquecendo! Nas minhas releituras poéticas brasileiras, acabei por deparar com um poema de uma grande e excelentíssima poetisa, cuja obra é um dos meus manjares interiores desde o fim da adolescência. Diria mais, depois de José Mauro de Vasconcelos e “O Meu Pé de Laranja Lima”, e do “Olhai os Lírios do Campo” do Erico Veríssimo, foi através de CECÍLIA MEIRELES que entrei no mundo, nesse fantástico e frondoso mundo da poesia brasileira.
“ Conheci” Cecília Meireles através de um belo e inocente livro infantil, comprado num alfarrabista, “Criança Meu Amor”. Depois, aqui e ali ao longo dos anos, uma procura sistemática, um conhecimento lento mas íntimo da sua obra, tão magnificamente burilada, tão humildemente sensível, leve, subtil, mas humanamente profunda. Hoje, nas canseiras obrigacionistas do dia - a dia, não raras vezes o meu espírito faz férias em alguns serenos ou inquietos, melancólicos ou esperançosos, poemas desta grande mulher e poeta.
Afinal quem foi Cecília Meireles? Nasce em 7 de Novembro de 1901 na Tijuca no Rio de Janeiro, filha de um funcionário bancário e de uma professora. O seu nascimento é marcado por um cunho trágico: não só Cecília, foi a única sobrevivente de quatro filhos do casal, como o pai faleceu três meses antes do seu nascimento, seguindo-se o falecimento da mãe ainda a nossa poetisa não tinha 3 anos. Foi criada pela avó Jacinta. Toda esta tragicidade ligada à sua vida marcará as suas ideias, a sua sensibilidade, a sua obra. Ela própria afirmará que estes acontecimentos lhe deram desde pequena “ uma tal intimidade com a Morte, que docemente aprendi essas relações entre o Efémero e o Eterno”. Afirmará também que a sua solidão infantil, lhe deu duas coisas no seu entender positivas: “silêncio e solidão”, dois pilares da sua vida e trave mestra da sua obra. Em 1927, diplomada pela Escola Normal, passa a exercer o cargo de Professora Primária em escolas oficiais, ao mesmo tempo que começa a escrever artigos de carácter educativo em Jornais diários. Incansável, cria a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, ao dirigir o Centro Infantil, de curta duração. Durante dois anos, de 36 a 38, lecciona na Universidade do Distrito Federal. Viaja, fazendo diversas conferências sobre temáticas que sempre a apaixonaram, Literatura, Educação, Folclore. Recebe o Diploma Honoris Causa da Universidade de Deli na Índia. Colabora em jornais e revistas, torna-se directora escolar, participa em programas culturais radiofónicos Casa duas vezes, recebe vários prémios literários. Tem salas e ruas com o seu nome. A sua obra poética é vasta, destacando-se “Vaga Música”, “Mar Absoluto e Outros Poemas”, “Retrato Natural” , “ Romanceiro da Inconfidência” , entre outras. Não deixou de escrever prosa, seja de temática educativa, seja folclórica, de viagens, crónicas. Escreveu também livros para crianças. Morre no mesmo mês do seu nascimento, Novembro, no ano de 1964. Mas que poema é esse? É um poema de uma simplicidade e, de uma beleza formal notável.
Um dos grandes poemas de Cecília Meireles. Bem, um poema chamado precisamente “ XADREZ”. O poema, objecto deste artigo, faz parte do livro “ Mar Absoluto e Outros Poemas” e, se na sua temática foca o xadrez, a sua essência vai muito mais além do nosso nobre jogo. O Xadrez, o movimento das peças de xadrez, serve de pretexto para um belíssimo poema sobre a vida, o tempo, sobre a transitoriedade das coisas, sobre a solidão. No xadrez da Vida o xadrez interior da cada um na perenidade do nosso ser “Rei da nossa Babilónia”. Saibamos saboreá-lo, tacteá-lo interiormente, sentir-lhe a exacta medida, o seu peso etéreo e verdadeiro, pois como nos velhinhos e branquinhos livros da Ática, no aforismo poético de Novalis: “ Quanto mais poético, mais verdadeiro.”.
Desde o fim da minha adolescência que a cultura brasileira entrou nos meus gostos comuns, no meu plano de “crescer e não morrer estúpido”. Clarifico…gosto da cultura brasileira, mas de determinado “Brasil” muito meu, muito interior, “asa de imaginação”, porque nunca tive oportunidade de o abraçar na realidade física e corpórea.
Talvez como na “boutade” poética de Pessoa acredite que “viajar é perder países”, resta-me a consolação da viagem interior ao coração de determinados ternos aspectos de um Brasil muito,muito restrito e redutor, mas, muito intimo que só por leve pudor o confesso!
E torno a clarificar…nunca me interessou muito essa conversa fiada de “irmãos”, e “cassete gravada” das relações Portugal – Brasil! Não sou político, nem tenciono vir a ser, não sou cantor em futura tournée no Brasil, ou actor à procura de um espaçozinho em telenovela, nem sequer empresário à procura de oportunidade de mercado imenso, ou agente de futebolista interessado em vender perneta de segunda a Presidente de 5ª categoria de clube de 4ª .
Clarifico mais ainda…Nunca me interessou muito determinado Brasil que embora sabendo real, fica aquém da imensidão humana e cultural de uma nação imensa. Por outras palavras, Não morro de amores pelo Samba, nem me lambuzo “São Bernardo” pelas mulatas e menos mulatas de belos corpos esculturais (“siliconais” muitos?) a abanar-se freneticamente no sambodramo, e admirem-se, nem sequer me excitam particularmente os “fios dentais” em grandes ou menos grandes “bundas” de imagem de praia de Copacabana.
Não sou particularmente fanático, nem sequer palrador de telenovelas, não deliro com o futebol brasileiro actual, embora consiga ver e ver e ver como as pilhas duracel, imagens desse fantástico Pelé, ou dessa equipa intergaláctica do Mundial do México, não tomo “charope para a tosse” delicodoce de determinada música popular brasileira actual, quase fotocópia de belo embrulho de grandes nomes do passado mais presente.
Resumindo: não gosto muito, nunca gostei, dos “postais” ilustrados turísticos que os países gostam de apresentar, dos fogos fátuos promocionais, do efémero temporal em vez do sólido histórico. Eu sei que é polémico, pois é, mas que se há-de fazer? Há mais de 30 anos que penso assim em relação à cultura brasileira e hoje como se costuma dizer “ burro velho não muda”! Sou uma espécie de “velha meretriz”, muito de velhas, apaixonadas e se quiserem desdentadas e babosas paixões e amores em relação à cultura brasileira.
Olhem, por exemplo…gosto dos teólogos de libertação como Leonardo Boff, no ensino, as leituras de Paulo Freire foram um factor de crescimento na minha profissão de Professor, Ziraldo vai-me mostrando que humor e criança andam de mão dada, por obrigação paternal, habituei-me a adorar a Turma da Mónica na B.D., na música não dispenso da minha vida os clássicos: sim, o Rei Roberto, Jobim, o Chico Buarque, Caetano, O Toquinho, o Baden Powel, o “Sor” Alceu Valença, mas também a gigantesca Elis, a Bethânia, a Gal, a Nara, ou esses desconhecidos “chorinhos” de uma “Chquinha” Gonzaga ,de um Sivuca, ou essa Bossa Nova de um Luiz Bonfá, entre muitos outros! Na Pintura, gosto de despoluir o meu olhar nas gravuras de Portinari, Segall, di Cavalcanti, ou Emeric Marcier; No cinema o Glauber, no Xadrez, claro, esse Mequinho genial, ou as crónicas deliciosas dos Câmaras, ou alguns problemas de Valadão Monteiro e claro, essa minha primeira terna e para sempre “Bíblia” de aprendizagem xadrezística, que tal como o foi o “porquinho-da Índia” para o Bandeira, foi a minha primeira namorada, o “Xadrez Básico”. Na literatura, continuo a reler e sempre em constante descoberta os Grandes Mestres em poesia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Quintana, Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murillo Mendes, Vinicius de Morais, Jorge De Lima, Cabral Neto, ou esses maravilhosos cavalgadores de sonho e fantasia romanesca que foram essa única e irrepetível Clarice Lispector, esse portento da língua brasileira Guimarães Rosa, esse sensível Erico Veríssimo, esse arqueólogo de paisagens interiores José Mauro de Vasconcelos, ou que são, como esse pitoresco contador Ubaldo Ribeiro.
Blasfemo, gritarão alguns! Primário! Esquecido! Berrarão outros! Vulgar, fóssil e empedernido! Vociferarão, outros tantos! Mas…paciência meus caros! De amores não me aparto, nem com ilusões vãs me iludo já! Gosto, adoro e ninguém tem nada com isso!
Mas isto tudo a propósito de quê? Ah! Ia-me esquecendo! Nas minhas releituras poéticas brasileiras, acabei por deparar com um poema de uma grande e excelentíssima poetisa, cuja obra é um dos meus manjares interiores desde o fim da adolescência. Diria mais, depois de José Mauro de Vasconcelos e “O Meu Pé de Laranja Lima”, e do “Olhai os Lírios do Campo” do Erico Veríssimo, foi através de CECÍLIA MEIRELES que entrei no mundo, nesse fantástico e frondoso mundo da poesia brasileira.
“ Conheci” Cecília Meireles através de um belo e inocente livro infantil, comprado num alfarrabista, “Criança Meu Amor”. Depois, aqui e ali ao longo dos anos, uma procura sistemática, um conhecimento lento mas íntimo da sua obra, tão magnificamente burilada, tão humildemente sensível, leve, subtil, mas humanamente profunda. Hoje, nas canseiras obrigacionistas do dia - a dia, não raras vezes o meu espírito faz férias em alguns serenos ou inquietos, melancólicos ou esperançosos, poemas desta grande mulher e poeta.
Afinal quem foi Cecília Meireles? Nasce em 7 de Novembro de 1901 na Tijuca no Rio de Janeiro, filha de um funcionário bancário e de uma professora. O seu nascimento é marcado por um cunho trágico: não só Cecília, foi a única sobrevivente de quatro filhos do casal, como o pai faleceu três meses antes do seu nascimento, seguindo-se o falecimento da mãe ainda a nossa poetisa não tinha 3 anos. Foi criada pela avó Jacinta. Toda esta tragicidade ligada à sua vida marcará as suas ideias, a sua sensibilidade, a sua obra. Ela própria afirmará que estes acontecimentos lhe deram desde pequena “ uma tal intimidade com a Morte, que docemente aprendi essas relações entre o Efémero e o Eterno”. Afirmará também que a sua solidão infantil, lhe deu duas coisas no seu entender positivas: “silêncio e solidão”, dois pilares da sua vida e trave mestra da sua obra. Em 1927, diplomada pela Escola Normal, passa a exercer o cargo de Professora Primária em escolas oficiais, ao mesmo tempo que começa a escrever artigos de carácter educativo em Jornais diários. Incansável, cria a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, ao dirigir o Centro Infantil, de curta duração. Durante dois anos, de 36 a 38, lecciona na Universidade do Distrito Federal. Viaja, fazendo diversas conferências sobre temáticas que sempre a apaixonaram, Literatura, Educação, Folclore. Recebe o Diploma Honoris Causa da Universidade de Deli na Índia. Colabora em jornais e revistas, torna-se directora escolar, participa em programas culturais radiofónicos Casa duas vezes, recebe vários prémios literários. Tem salas e ruas com o seu nome. A sua obra poética é vasta, destacando-se “Vaga Música”, “Mar Absoluto e Outros Poemas”, “Retrato Natural” , “ Romanceiro da Inconfidência” , entre outras. Não deixou de escrever prosa, seja de temática educativa, seja folclórica, de viagens, crónicas. Escreveu também livros para crianças. Morre no mesmo mês do seu nascimento, Novembro, no ano de 1964. Mas que poema é esse? É um poema de uma simplicidade e, de uma beleza formal notável.
Um dos grandes poemas de Cecília Meireles. Bem, um poema chamado precisamente “ XADREZ”. O poema, objecto deste artigo, faz parte do livro “ Mar Absoluto e Outros Poemas” e, se na sua temática foca o xadrez, a sua essência vai muito mais além do nosso nobre jogo. O Xadrez, o movimento das peças de xadrez, serve de pretexto para um belíssimo poema sobre a vida, o tempo, sobre a transitoriedade das coisas, sobre a solidão. No xadrez da Vida o xadrez interior da cada um na perenidade do nosso ser “Rei da nossa Babilónia”. Saibamos saboreá-lo, tacteá-lo interiormente, sentir-lhe a exacta medida, o seu peso etéreo e verdadeiro, pois como nos velhinhos e branquinhos livros da Ática, no aforismo poético de Novalis: “ Quanto mais poético, mais verdadeiro.”.
Xadrez
Leva-me o tempo para a frente
Certo de sua direção
Pausado passo indiferente
(Peão.)
Que ímpeto me vem de repente
e se esforça por contrariá-lo?
Ó nervosa crina, asa ardente!
(Cavalo.)
Talvez meu poder aumente,
e o tempo invicto alcance e toque...
Como, porém, mudar-lhe a ação?
(Roque.)
Leva-me o tempo para a frente,
dizendo passo a passo: "És minha!"
"Rainha!"
E apenas digo, debilmente
Como quem sonha e se persuade
Tua, apenas tua serei...
"Rei!"
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