XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

31/03/11

História do Xadrez.Reflexões…à laia de Preâmbulo.

Tenho viajado muito. Gosto mesmo muito de viajar. Pelos livros de xadrez subentenda-se. Semanas e meses de viagem em determinados livros de xadrez para os não perder, parafraseando a ideia de Pessoa da perdição de um país numa viagem.


Não gosto de viajar de férias num livro de xadrez, num grande livro de xadrez. Nestes, assenta-se arraiais, estaciona-se, goza-se o lado da sua beleza, a solaridade da sua escrita, aprecia-se o lampejo da grande escrita, da capacidade de dedicação do autor ( ao tempo sem Fritz, Rybka e afins) nas análises, comentários, ou mesmo, adivinha-se a necessidade centrífuga e megalómana de um grande jogador se posicionar, ou mostrar ambição desmedida por um objectivo. “My Chess Career” de Capablanca, “Dreihundert Schachpartien” de Tarrasch, ou o “Izbrannye parti mezdunarodnovo turnira v Karlsbade 1929” de Nimzowitsch, são livros extraordinários, exemplares, relativos a este último ponto.

Assim, e sem qualquer explicação, costume ter “ataques” estranhos e abandono tudo no xadrez, para no Xadrez, partir num apego e afã profundo na rota de um Torneio histórico, de um Jogador esquecido do passado, de umas certas peças de xadrez especiais que me fascinam. Semanas e meses imerso em livros, em fotocópias, em CD, em revistas e livros de época, em fotos, sempre com a ajuda preciosa de um OCR como o Aby Fine Reader ( passe a publicidade) e de um Power Translator sempre prestável. Semanas e meses em que vou escrevinhando notas, guardando “words”, fabricando pastas, até ter um todo coerente que se leia.


Por vezes a poderosa força da viagem, leva-me a salões luxuosos de Baden, ou a Cambridge-Springs em 1905, quando não um saltinho a Ostende do princípio do Século XX, ou a um um pobre quarto na Suécia, onde um enorme e fabuloso jogador de xadrez literalmente morria de fome e abandono!

Um dos famosos blocos de notas de Ernst Grunfeld (Tinha arquivos organizados por aberturas, partidas, etc - Um dos 1ºs grandes teóricos organizados do Xadrez?)


Depois, depois há a descoberta, a descoberta de factos, de detalhes, de partidas de xadrez que não gozam da tinta impressa dos livros de xadrez, que não são de antologia, de cátedra mas que são jóias fulgurantes em baús poeirentos de esquecidos sótãos xadrezísticos. Outras vezes de jogadores que não sendo Campeões do Mundo, ou nomes poderosos de uma segunda linha, tiveram uma vida tão rica, tão intensa, tão apaixonada pelo xadrez, mesmo não sendo profissionais, que abismo com a qualidade do seu jogo, com a capacidade de luta no tabuleiro.


Por vezes partilho com a comunidade xadrezista , por vezes não. Sei do pouco interesse que este tipo de Xadrez, de História do Xadrez tem na maioria dos jogadores de competição, mais ligados a variantes, sub-variantes, sub-de-subvariantes, bases de dados, torneios actuais, ou mesmo a sordidez da vigarice no Xadrez, seja no tabuleiro ou colaterais. No mundo actual do descartável, do imediato, do aqui e agora, do “fast” qualquer coisa, se calhar com razão, a grande maioria dos xadrezistas do mundo preferem o “produto do dia”, o Elo, o título honroso do “rapidinhas-mor de sábado à tarde”, ou “o maior do seu clube – quando não está lá ninguém”, ou mesmo o seguir on-line partidas de torneio de grande renome em que as partidas terminam em empates (combinados?) medrosos-merdosos, ou erros garrafais.


Sorte deles, azar o meu, que sou mais para o tântrico xadrezístico ( sim, que estavam à espera? Isto de prazos de validade também se vai perdendo! Ah! Ah!), o arqueológico, o memoríalisto. Vinte e sete anos em cada “gambiarra”, uma barriguita a tapar “abono de família” já vão pedindo meças a excessos e pretensões.

Quem me conhece e os meus escritos na Luso Xadrez sabe dos enormes artigos sobre Spielmann, Bohatirchuk, Kasparyan, Simagin que me consumiram tempo, visão e saúde “colunal” , tudo pelo prazer do xadrez, de um certo xadrez que poucos partilham.


Nestes últimos meses várias viagens, envolvimentos demorados em torneios históricos, principalmente três, tão apregoadas, tão citados em antologias de partidas e tão mal conhecidos! Carlsbad 1907 , S. Petersburgo 1909 e S. Petersburgo 1914. Confesso que os dois últimos devido a Emanuel Lasker, o meu jogador preferido de todos os tempos.


Centenas e centenas de partidas reproduzidas, leituras de fio a pavio sobre esses torneios nos próprios livros dos mesmos, confronto de comentários e variantes em vários livros e bases de dados, das partidas mais importantes, reeleitura de capítulos referentes, nas biografias dos jogadores que participaram nestes torneios, leitura de revistas e livros de época, pesquisa em livros russos afins e por aí fora. Digamos em Português sumário que uma “doideira”, uma canseira de alguém que não deve estar bom da mioleira. Mas estou, e dá-me um prazer enorme este trabalho.

(Karlsbad 1907 - Dois enormes jogadores...adivinhem)

Não é todos os dias que se pode estar com Lasker, que se pode ver o olhar altivo e confiante de Capablanca, o cofiar da barba do “velhote da Negra Morte”. Por vezes, como no filme de Vsevolod Poudovkine, estou como espectador do lado de lá da corda que separa as mesas dos espectadores, outras vezes salto o cordão de segurança e no meio da fumarada da charutada de D. Emanuel, ou dos fartos cigarros de Blackburne, lá vislumbro aquelas peças magníficas movidas por cérebros fabulosos que produzem obras d’arte de uma beleza para sempre.


O desânimo a seguir.

Para quê e Por quê e com quem partilhar esta paixão? A quem interessa isso? Nem o “basta um ler e estarás justificado”, me atenua este sentimento do que se perde quando voluntariamente se ignora por ignorância. E se para muitos não interessa até “porque nunca serão emparceirados com estes “gajos” e como tal não terão de estudar (?) as partidas em bases de dados, para outros, poderia ser o reganhar do interesse pelo xadrez que sentem os ir abandonando por “dirigíveis” incompetências, por clubes tasqueiros ( honra às tascas) e como tal, vão mudando de “amante” seja ela o King, o Póquer, ou o Bridge. ( era giro que alguém escrevesse sobre esse fenómeno que está a acontecer no xadrez português-alguns dirigentes de clubes desunham-se para arranjar jogadores para as equipas, porque as outras amantes não deixam!).


Desânimo também com os sites de xadrez que abordam a História do Xadrez, sejam biografias ou Torneios. Reproduz-se até à náusea as mesmas partidas, as mesmos Wiki-bio, as mesmas banalidades, os mesmos erros.


Qual o interesse de colocar no Xadrez Memória uma milionésima versão da biografia de Capablanca? As diversas análises de Kasparov-Topalov, copiar trivialidades que se já mentira eram, a virtualidade propago-as como verdades, tornando-as mais mentirosas?


Qual o interesse de escrever larvares bacoradas que Alekhine, agrediu não sei quem, que determinado jogador se atirava da janela quando perdia, que Morphy tinha centenas de sapatos de mulher que dispunha em círculo e os olhava durante horas, ou que o mesmo Morphy morreu completamente louco, ou que Alekhine perdeu o match de 35 com Euwe por jogar completamente embriagado? Vou “Hannakizar” a perda da partida de Lasker perante Bernstein em S. Petersburg 1914, devido a não ter visto a mulher na assistência e ficar preocupado a tal ponto da dádiva de material ( Nem o Lasker merece, nem a Marta era um “vamp” fugidia!)? . Porquê mostrar uma foto de Rubinstein em Ragosa Slatina com o relógio do adversário a contar e ele sentado, contestando que o homem se levantava logo após realizar a jogada e ia para um canto ( até já li…a falar sozinho!!)


Para quê? Se tenho o David Lawson vai para anos, se li o Euwe do Munninghoff, ou os dois Rubinstein de Donaldson e Minev, e tantos outros vou transformar o meu blogue no “cabaré da concha”?


Não serve, nem servirá para isso o meu Xadrez Memória. Quando estiver mal disposto , talvez coloque aqui uma lista de sites que vivem deste “stuff”, desta trivia, deste falso “chibar” do xadrez sem qualquer fundamento histórico. Não me chamo Wall, Schiller, Pandolfini, ou afins.


A minha escola de leituras e a minha paixão pelo xadrez foi-se formando entre outros com Edward Winter, Vlastimil Fiala, Michael Ehn, Lissowski, Richard Forster, Jimmy Adams, Jeremy Gaige (recentemente falecido), Ken Whyld, Isaac Linder, Voronkov, Kasparov dos Meus Predecessores, Znosko Borovsky (admirem-se!) Dvoretsky, e sobretudo esse maravilhoso não historiador do “romance verdadeiro” Genna Sosonko (algum dia explico esta expressão de Paul Veyne que aplico a Sosonko – Não, nem tudo é verdade na dignidade com que escreve e quer dar de alguns jogadores! Botvinnik era muitas vezes um crápula, Tal não era a personagem angelical que se quer dar ao mundo, o artigo sobre Livitina mostra-esconde em certos aspectos uma mulher execrável, e quase consegue convencer-nos da bondade de um miserável como Baturinsky, ou de um certo vendilhão chamado Gufeld! O que Sosonko quer esconder, quase criptografado vem ao de cima! Agora, quando este homem escreve sobre Bagirov, sobre Lutikov, Keres, Koblenz, Levenfih, Vitolinsch, Ruban ou Kholmov, atinge o grau de Mestria de Humanidade).


Daqui não saio, daqui ninguém me tira.

Assim no futuro um ou outro artigo sobre grandes torneios e o início da colocação neste blogue das minhas peças de xadrez, em fotos decentes. Tudo para vos causar inveja! Claro! Mas também para vos mostrar que para comprar belas peças de xadrez, não é preciso gastar mais de 100 Euros, nem ser “pato bravo”. Estou numa fase em que procuro peças de torneio, ou suas réplicas aproximadas. Algumas surpresas engraçadas nos próximos dias.