XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

21/04/17

CARLOS MENDES



 
Há dias que nem valem a pena…

horas que mais valiam estanques na máquina do tempo

minutos torniquetes silenciosos do nosso desespero

segundos incontáveis de incrédulo espanto



olho para os meus jogos de xadrez, as minhas estantes

apetecia-me partir tudo, partir de tudo do xadrez...

que vale o xadrez quando parte um dos nossos e bons do xadrez?



2004, era eu vice-presidente do GX Porto, um mail cortês, bonito convidava o GXP a inaugurar a nova sala do Grupo de Xadrez de Montemor-O- Velho. Como recusar? Fomos. Recebidos mais do que convidados como família xadrezista. Match sem resultado já lembrado nem interessa! Almoço opíparo à Montemor-O –Velho. E o Carlos, o sorriso do Carlos, aquela franqueza sorridente que só tinha paralelo com a  mesma abertura da sua calva luzidia. Aqueles seus óculos teimosos e manhosos sempre a escorregar nariz abaixo, e sempre aquele ar de ser bom, de se gostar mesmo daquilo tão tresloucado de um tabuleiro aos quadrados e umas figuras esquisitas que nele dançavam. Enfeitiçado, embruxado do xadrez era o Carlos Mendes. As palavras simples e sentidas na despedida, as lembranças trocadas. Dos momentos mais bonitos da minha vida de xadrez e de dirigente de xadrez.


Depois, divergi do Carlos em determinada altura da vida Federativa, mas até aí, quando se gosta de alguém, quando se tem alguém que pode ombrear connosco na Paixão do xadrez, até as divergências são uma festa. Uma coisa sei, o Carlos nunca se aproveitou do xadrez, talvez o contrário seja a verdade: o xadrez aproveitou-se dele e se calhar ele nem se importou, porque quando se ama o xadrez ama-se com tudo e a simbiose é perfeita. O que o xadrez de Montemor-O-Velho lhe deve, o que o xadrez Português lhe deve nem precisa de ser contado, porque de belos frutos nunca se deve pedir meças à árvore.

É dos Carlos Mendes, dos Marinos Ferreira, entre não muitos como isso, a verdadeira seiva do xadrez português. Qual bichos da seda na multidão, vão tecendo o tecido com que é feito o verdadeiro xadrez amador português, sim porque o Carlos era mesmo Amador, porque poucos como ele amaram a cousa amada com tal paixão.


Mais um dos meus que em mim ficará guardado no tal lado bom do coração que não sei bem onde é, mas se instala sem medir licença. Eu deixo, claro.


Obrigado Carlos Mendes. Se não fosse por mais, pelas 5 horas mais bem passadas da minha vida de xadrez aí em Montemor. Uma honra para o Grupo de Xadrez do Porto que está guardada na nossa memória, nas nossas estantes.


E…desculpa qualquer coisinha.

Raios que agora são os meus óculos que alguma coisa quer fazer descair dos meus olhos.


Ah! Vê lá se  guardas um lugar para mim no Aberto da nova sala que havemos de inaugurar no Reino de Caissa. Proponho GXCASC- Grupo de Xadrez Celestial dos Amadores sem Causa 

 

16/04/17

LIVROS DE XADREZ...





Não, não vou dar nenhum! Quer dizer, qualquer dia dou os de Aberturas ( não os do Pachman que são afetivos), mas as porcarias inglesas que fui comprando só para ver como eram escritos e a honestidade de quem os escrevia.



“O subtítulo diz um pouco mais, não dizendo completamente tudo. Será um blogue, o Meu blogue de xadrez, mas com os quase 40 anos de experiência na modalidade, sem qualquer tipo de dúvidas que o será de “canteiro”, de nicho se quiserem, “para muitos poucos”, para um grupo restrito de xadrezistas nacionais e, se calhar, alguns de língua portuguesa espalhados pelo mundo que se interessam por um tipo de xadrez que anda praticamente arredio da Web, das revistas, das discussões comuns dos jogadores de xadrez, ou seja, os livros e a crítica de livros de xadrez, as peças de xadrez, a História do Xadrez, as estórias, a fotografia, os grandes jogadores de xadrez de canto de enciclopédia, as curiosidades do xadrez, as memórias afectivas de um determinado xadrez português. Só isso nada mais!”


Foi assim que me apresentei em 16 de abril de 2009, ou seja quase há 8 anos, tantos como os de vida do Xadrez Memória. Nada retiro, nada tenho a lamentar. De tudo o prometido, muito cumprido. Posso afirmar que a ideia inicial passava por um peso muito especial nos livros de xadrez, na crítica aos livros de xadrez, todavia desde muito cedo percebi que se ia por aí, nem de canteiro seria o Xadrez Memória. Livros de xadrez? Que se comprava, que se compra de literatura xadrezista em Portugal, o que se lia, e se lê no que diz respeito a livros de xadrez no que diz respeito ao jogador de xadrez português? Que paixão existe pela leitura de livros de xadrez? Pela experiência dos jogadores do meu Clube de Xadrez, e pela completa secura sobre o tema nas poucas páginas Web de xadrez, não me foi difícil percecionar o óbvio: o quase grau zero de leitura, a inépcia vazia das estantes com livros de xadrez dos Clubes, e dos próprios jogadores. Corrijo: alguns livros existirão sobretudo ligados à competição, sejam Informator, Yearbook, Aberturas, fossem das editoras da moda: Everyman, Gambit, etc (passe a publicidade), ou revistas espanholas, uma ou outra Europe Échecs, e num outro ou outro jogador mais “cultivado” a New in Chess”, todavia desde muito cedo percebi que com o advento fortíssimo da Informática e dos produtos informatizados, principalmente dessa grande empresa “que deve dar de comer a muita gente ”a ChessBase” faria a delícia não só do jovem aspirante a GM, como do patzer xadrezista que sonha deixar de o ser no xadrez nacional, e como tal escrever sobre livros de xadrez que ninguém compra, que ninguém lê, seria como escrever sobre gelo dentro de um frigorífico. 

Claro que cheguei a comprar ( e a fazer download)  de alguns livros de aberturas das editoras citadas, de GM de mais ou menos aviário, ou nomes sonantes, mas bastou folheá-los para perceber quão inúteis eram, quão “engana papalvo” a quem se destinavam, com que frivolidade se escreviam, como que pasmo se passavam bases de dados/reportório para papel, com apreciações de “engines”, como se fossem análises próprias e como rapidamente se desatualizavam. Percebe-se que sabendo trabalhar com ChessBase ou Chess Assistant, se pode construir um Reportório de aberturas e atualizá-lo, e como uma grande parte de livros de aberturas se tornam dispensáveis, e como o “marketing” poderoso e insinuante das editoras junto dos jogadores de xadrez os fazem quase “Bíblia” para se ser alguém no Clube ou na competição. Com capas por vezes a roçar o abjeto, com títulos entre o estúpido e o cabotino “ Smash”, “Killing”,” Winning”, com autores a prometer o paraíso-ganho com e4, para depois prometerem o mesmo ao contrário com e5, com escrevinhadores a escreverem livros como eu tomo cafés, a literatura de aberturas transformou-se num “maná” , ou talvez não, porque os saldos mostram o que em armazém vai ficando, um filão de prometer paraíso, e que perde gente jovem e carteiras.


Não, o meu galho em livros de xadrez é outro, outro mesmo. Digamos como este blogue, um canteiro, um nicho, uma biblioteca rigorosamente selecionada segundo preferências temáticas é certo, mas também pela qualidade, categoria dos autores ou crítica avalizada de quem a sabe fazer -e no mundo do xadrez, poucos, muito poucos mesmo sabem fazer crítica de xadrez – ou por descoberta ocasional, ou sugestão de amigos estrangeiros.

Perante o que afirmei, percebe-se que as Biografias, as Coleções de Partidas, Os Torneios de Xadrez, os “Clássicos”, a História, ocupam parte das estantes da minha biblioteca, que não sendo gigantesca, ( bem pobre em número de  volumes , diga-se) nem atrita a edições raras, ou caras ( nem tenho dinheiro, nem me interessa!), é minha por escolha e paixão. E como gostava de partilhar ideias, críticas, gostos sobre livros de xadrez! Com quem? Em Portugal? Onde, quando? Quem tem a coragem de escrever sobre o Livro de Paul Keres recentemente editado em Inglês ( Só agora!!!) World Chess Championship 1948”, quem me pode informar sobre a reedição aumentada e em algébrico do Livro de Rudolf Spielmann The Art of Sacrifice in Chess”?  Já sei, bem posso esperar sentado! Se calhar mais de 90% de jogadores portugueses nem sabem a que me estou a referir, quanto mais descobrir uma página Web, um blogue, um site onde o meu sonho se concretizasse!?


Escrever sobre livros de xadrez para quem e porquê, se pouca gente lê, se quase ninguém se interessa por livros de xadrez com as temáticas que apontei, se miúdos, menos miúdos e até graúdos se acham os maiores do mundo, que estudar Capablanca, ou as partidas de Lasker, Alekhine, Rubinstein ou o Torneio de Karlsbad 1907 nãos serve para nada, não interessa nada, não contribui para o progresso xadrezístico, quando ainda por cima, nem sequer vão ser emparceirados “com esses gajos” que não jogavam a “ponta dum corno” e que hoje até perdiam na “boa com um maduro de 2200..ou menos”!? Pois…acho que sim! Há ganza mais barata, lá isso há!


Assim, a primitiva ideia de escrever sobre livros de xadrez quando iniciei este blogue. E tive bons mestres quando comecei a compor a minha biblioteca xadrezista. Foram eles que avivaram de alguma forma este gosto sempre crescente pela boa literatura de xadrez. Edward Winter e a sua implacabilidade sobre os falsos autores e livros mentirosos sobre xadrez e história do xadrez,  John Watson, Jeremy Silman, Donaldson, o Kevin Spraggett e o seu velhinho site canadiano com as suas sugestões de “Clássicos”, Alex Dunne e o seu “Great Chess Books of the Twentieth Century in Elglish”, todos eles ( e mais alguns)  foram os causadores de alegrias de coincidências de gostos, descobertas e claro…menos dinheiro na já pobre carteira de professor português.


Preparem-se pois…tenham medo, muito medo, porque hei-de escrever sobre livros de xadrez! Quer dizer, dos poucos que me leem sabem que já escrevi sobre livros de xadrez relacionados com Fisher, Lasker, Second Piatigorsky 66, etc, , mas retornarei à carga! 

Por falar em livros de xadrez, em cultura de xadrez: não se esqueçam do recente e excelente trabalho de ensino de xadrez na BMP, acompanhado de não menos excelente trabalho de paixão e pesquisa de personagens gradas do xadrez nacional que começou com a figura ímpar de cultura xadrezista ( e não só) do Mestre Rui Nascimento - " A Arte da Composição em Xadrez" - Breve antologia  de autores portugueses" , que o Daniel Quintã está a realizar. Bem haja!





11/04/17

LUIÍS OCHÔA 2






Já passaram dois anos do seu falecimento. No artigo que lhe dediquei lamentava não existir nenhuma foto decente do  Ochôa  como jogador de xadrez. Coloquei a minha partida da 4ª sessão do Campeonato Nacional Absoluto de 1978, jogado em S. João da Madeira, onde era visível a diferença de força xadrezista entre um primeira categoria e alguém que era um bocadinho mais do que isso, e nem preciso de identificar quem é quem, porque o resultado diz tudo.  Depois…depois, os amigos do costume, aqueles raros que se vão interessando senão pela História do xadrez Português, muito mais pelas memórias afetivas que sobrevivam a qualquer tabuleiro e peças de xadrez. O Cordovil, claro, envia-me a última partida jogada pela Ochôa e que a custo e com dedicatória conseguiu do mesmo, jogada  em simultânea com o Spassky no IV Festival Xadrez de Lisboa no dia 20 de novembro de 1999. Empate por proposta de Spassky, que  de cordial ou combinado teve nada, pois foi partida dura e bem jogada, mostrando o ditado “ quem sabe nunca esquece” aplicado ao Luís Ochôa.





Depois, uma emoção fortíssima quando o meu amigo, e outro apaixonado do xadrez, me resolve presentear por mail com uma foto inacreditável que nem sabia que existia. Exatamente o Ochoa na partida comigo desse Nacional de 1978. Esconder para quê? Uma lágrima rebelde quis sair e eu deixei quando no ecrã do computador me aparece o Ochôa pouco preocupado com a posição que já sentia muito vantajosa e parecia entretido com algo que não descortino ( talvez preparar um cigarro?) e eu, sempre com aquele ar “ciganão” morenaço de farta bigodeira , concentrado ou ensismemado na “pinga” que ia levar com a posição quase desesperada das Negras. Como éramos novos! Como eu amava ainda o Xadrez competitivo, como ainda tinha ilusões de não ser tão “piço”, tão nabo na modalidade, como nos anos oitenta me apercebi. Como acalentava a paixão por um xadrez que ainda não suspeitava que ia morrendo aos poucos, para qual Fénix, renascer noutro, que sendo o mesmo, não era aquele.

Porquê só agora isto no Xadrez Memória ? E Porque isto no Xadrez Memória? Que têm V. Excª, dos poucos que aqui vêm clicar com gosto, dos outros poucos que nem com gosto vêm, só enfado, que não existe aqui variantes, nem árvores de análises, nem Komodo, nem Fritz, nem “ChessBasesantacasadamesiricórdia” nem nada, digo, que têm com as minhas memórias, emoções, se muitos nem sabem quem foi o Ochôa, ou se sabem, querem lá saber?! 

Pois…mas eu quero. Finalmente uma foto do Ochôa como deve ser como xadrezista na Web! Não sei se é muito ou pouco. É. Um passado, um colega de modalidade, um forte jogador, uma boa pessoa que conheci ( e hoje não é fácil encontrar pessoas boas!), um fractal da História do Xadrez Português. Que seja. Para memória presente e futura.
Como sempre, do lado bom do coração onde guardo os afetos, um agradecimento ao Mestre Cordovil e ao Fernando Pinho.

Ah! Já agora nesse artigo referi-me ao Marino Ferreira!Agora que partiu, para quando alguém que o conheceu,  que saiba escrever e goste da memória afetiva, consiga dedicar uns minutos a contar o quanto o xadrez egitanense e português lhe deve?