Olhem com atenção para a fotografia acima (cliquem na imagem). Não é de uma qualidade apreciável, mas é de uma raridade, de um momento quase único na História do Xadrez ! Olharam bem? Repararam? É que muito raramente poderiam ver uma foto como esta, ou quando muito, poderiam ver 60 fotos semelhantes. Querem saber porquê? Simples: 61 partidas foram as partidas que Bobby Fischer perdeu em toda a sua a sua carreira de xadrez oficial competitivo ( sem contar com o match de Sveti Stefan, com Spassky).
Mas...olhem uma vez mais. 0-1. Alguns espectadores, parecem não quer sair daquele lugar onde deveria ter acontecido qualquer coisa de estranho. Especados perante um tabuleiro vazio. Mas...olhem outra vez. Uma garrafa-termo a meio e abandonada por alguém que deveria ter saído do tabuleiro como foguetão num estado de irritação extrema. Do outro lado, um copo de água vazio, de alguém que no calor da luta foi bebericando lentamente para aplacar a sede e o stress de uma batalha de xadrez. Olhem bem...nenhum dos dos jogadores fumava . O relógio inexorável do jogador das Brancas, marcava a hora em que o deveria ter parado, apertado a mão ao adversário e saído disparado daquela mesa depois de assinar a folha de partida.
Mas...reparem bem, na placa identificativa dos jogadores: Fischer-USA- Internationaler Grossmeister . Do outro lado, ECUADOR, Muñoz, Meister.
Imaginemos só que entravam naquele momento no pavilhão onde se tinhas disputado aquela partida e nada sabiam. Imaginemos que tinham acesso a zona de jogo. Qual seria a vossa tendência? Claro! Trocar as placas numéricas que tem o 1 e 0 , ou seja, árbitro, ou alguém da organização enganou-se! Vamos lá repor a verdade e por as placas como dever ser 1:0
Pois...mas em alemão, alguém repetia mais alto do que o permitido numa sala ampla de torneio, “Aufgegeben”, Ja Fischer!” que era traduzido com alegria em língua hispânica “ Fischer se rindió”, “ Perdió Fischer, Munõz lo mató!” enquanto alguém incrédulo questionava : “ You are joking with me? Who are that Muñoz guy?” . Não, as placas do resultado estavam correctas. O jovem génio americano tinha perdido com um jogador completamente desconhecido de um país sem qualquer tradição escaquística. E o “Meister” não poderia enganar quem andava no mundo do Xadrez. O tal Muñoz era Mestre nacional do Equador, sem qualquer título da FIDE. Afinal, o que tinha acontecido? Um erro crasso de Fischer? Um “dia não” do futuro grande campeão? Ou...qualquer outra coisa?
O Fischer que perdeu com Muñoz na 2ª Jornada das preliminares das Olimpíadas de Leipzig, já era um Fischer de renome, e à sua volta congregavam-se as atenções da imprensa xadrezística e dos aficionados. Campeão dos EUA em 57-58, 5º lugar no Torneio Interzonal de Portoroz, Campeão dos EUA em 58-59, 3º lugar em Mar del Plata, 4º em Santiago do Chile, 3º em Zurique atrás de Tal e Gligoric, 5º no Torneio Zonal Bled-Zagreb-Belgrado em 1959, Campeão dos EUA 59-60, 1º exequo com Spassky em Mar del Plata 1960, 14º no Torneio Internacional de Buenos Aires de 1960 ( o pior resultado de Fischer na sua carreira), 1º num pequeno torneio em Reykjavik em 1960.
Claramente uma estrela em ascensão e claramente um Fischer a merecer o 1º tabuleiro da selecção americana que se apresentou em Leipzig, aliás, o que motivou a raiva de Reshevsky, que se recusou a participar no evento como 2º tabuleiro. Um Fischer que começa a fase preliminar destas Olimpíadas “despachando” o forte jogador romeno Ghitescu em apenas 14 lances. Um Fischer que na segunda jornada irá jogar de brancas contra o tal desconhecido e não titulado Cesar Muñoz do Equador. Então o que se passou? O que aconteceu? Que poderá estar por detrás desta partida interessantíssima?
Mas...olhem uma vez mais. 0-1. Alguns espectadores, parecem não quer sair daquele lugar onde deveria ter acontecido qualquer coisa de estranho. Especados perante um tabuleiro vazio. Mas...olhem outra vez. Uma garrafa-termo a meio e abandonada por alguém que deveria ter saído do tabuleiro como foguetão num estado de irritação extrema. Do outro lado, um copo de água vazio, de alguém que no calor da luta foi bebericando lentamente para aplacar a sede e o stress de uma batalha de xadrez. Olhem bem...nenhum dos dos jogadores fumava . O relógio inexorável do jogador das Brancas, marcava a hora em que o deveria ter parado, apertado a mão ao adversário e saído disparado daquela mesa depois de assinar a folha de partida.
Mas...reparem bem, na placa identificativa dos jogadores: Fischer-USA- Internationaler Grossmeister . Do outro lado, ECUADOR, Muñoz, Meister.
Imaginemos só que entravam naquele momento no pavilhão onde se tinhas disputado aquela partida e nada sabiam. Imaginemos que tinham acesso a zona de jogo. Qual seria a vossa tendência? Claro! Trocar as placas numéricas que tem o 1 e 0 , ou seja, árbitro, ou alguém da organização enganou-se! Vamos lá repor a verdade e por as placas como dever ser 1:0
Pois...mas em alemão, alguém repetia mais alto do que o permitido numa sala ampla de torneio, “Aufgegeben”, Ja Fischer!” que era traduzido com alegria em língua hispânica “ Fischer se rindió”, “ Perdió Fischer, Munõz lo mató!” enquanto alguém incrédulo questionava : “ You are joking with me? Who are that Muñoz guy?” . Não, as placas do resultado estavam correctas. O jovem génio americano tinha perdido com um jogador completamente desconhecido de um país sem qualquer tradição escaquística. E o “Meister” não poderia enganar quem andava no mundo do Xadrez. O tal Muñoz era Mestre nacional do Equador, sem qualquer título da FIDE. Afinal, o que tinha acontecido? Um erro crasso de Fischer? Um “dia não” do futuro grande campeão? Ou...qualquer outra coisa?
O Fischer que perdeu com Muñoz na 2ª Jornada das preliminares das Olimpíadas de Leipzig, já era um Fischer de renome, e à sua volta congregavam-se as atenções da imprensa xadrezística e dos aficionados. Campeão dos EUA em 57-58, 5º lugar no Torneio Interzonal de Portoroz, Campeão dos EUA em 58-59, 3º lugar em Mar del Plata, 4º em Santiago do Chile, 3º em Zurique atrás de Tal e Gligoric, 5º no Torneio Zonal Bled-Zagreb-Belgrado em 1959, Campeão dos EUA 59-60, 1º exequo com Spassky em Mar del Plata 1960, 14º no Torneio Internacional de Buenos Aires de 1960 ( o pior resultado de Fischer na sua carreira), 1º num pequeno torneio em Reykjavik em 1960.
Claramente uma estrela em ascensão e claramente um Fischer a merecer o 1º tabuleiro da selecção americana que se apresentou em Leipzig, aliás, o que motivou a raiva de Reshevsky, que se recusou a participar no evento como 2º tabuleiro. Um Fischer que começa a fase preliminar destas Olimpíadas “despachando” o forte jogador romeno Ghitescu em apenas 14 lances. Um Fischer que na segunda jornada irá jogar de brancas contra o tal desconhecido e não titulado Cesar Muñoz do Equador. Então o que se passou? O que aconteceu? Que poderá estar por detrás desta partida interessantíssima?
Proponho outro olhar atento: Olhemos esta outra fotografia dos primeiros lances deste encontro Fischer-Muñoz.
Olhem bem. Repararam? De um lado um jogador profundamente concentrado imerso desde cedo na luta que se avizinha, talvez sabendo de antemão a superioridade do seu adversário, do outro...Fischer que olha o seu adversário entre o despreocupado e o “animal” que mais cedo ou mais tarde sabe que conseguirá a sua presa. Os espectadores, e muitos eram, desta partida, esperavam certamente o óbvio: “a degola do inocente”, ou seja, mais uma daquelas partidas brilhantes, claras, que caracterizavam o já jovem americano, principalmente com a abertura que desenhava no tabuleiro.
Como iremos ver, nada disso se passou! O Jogador equatoriano continuou concentradissimo toda a partida e Fischer acabou por ter de se aplicar a fundo numa partida muito complicada que acabou por perder. Parece que com o desenrolar da partida, eram cada vez mais os espectadores e jogadores que se aproximavam da mesa, e o silêncio pesado, enquanto os dois jogadores nem reparavam nesta azáfama! Partida intensa, dramática, no relato de quem a presenciou! Fischer estava pálido de morte ao assinar a folha de registo da partida e Muñoz radiante! A garrafa-termo com sumo de laranja que costumava acompanhar Fischer por esta altura, ali ficou, prova de um abandono rápido e em força do GM americano no fim da partida.
Teria Fischer subestimado o seu adversário ? Talvez. Sejamos honestos, Muñoz não era ninguém no mundo do Xadrez, era apenas um Mestre Nacional equatoriano com poucos torneios jogados, principalmente com grande inexperiência de jogos com fortes jogadores. Ainda por cima era amador, jovem Engenheiro recém formado. Numa época em que não existiam bases de dados, Net, nem sequer ainda Informator, nem a circulação de revistas de xadrez fosse comum, é natural que Fischer desconhecesse duas interessantes partidas jogadas por Muñoz, onde este jogador bateu duas promessas do xadrez em ascensão: Bent Larsen e Olafsson e isso aconteceu no Campeonato Mundial Universitário por equipas disputado na Islândia em 1957. Porventura também não conhecia o empate conseguido contra Lombardy, nesta mesma competição. Digo é natural, mas poderia dizer é provável, porque Fischer era um estudioso louco de xadrez e, todos sabemos como aprendeu russo e servo-croata para devorar os segredos de muitas revistas de xadrez da Europa de Leste.
Outro dado curioso para avaliar esta partida: Fischer nunca tinha perdido contra uma Dragão, tendo de todos os seus adversários , apenas um obtido um empate, ainda com “Fischer-ciança”. De todas as vitórias contra esta abertura, talvez a mais célebre foi contra Larsen, no Interzonal de Portoroz de 1959, partida extensamente comentada no “My 60 Memorable Games” com o título dado por Larry Evans de “Slaying The Dragon”. E aqui um fenómeno curioso: Fischer mesmo comentando esta partida à posteriori da partida jogada com Muñoz, não pode deixar de mostrar um profundo desprezo, eu diria, quase incorrecção xadrezística por esta abertura, quase exorcizando a derrota que teve com a Dragão do jogador equatoriano.
Ainda mais curioso é que Fischer tinha uma memória fabulosa e sobretudo uma capacidade de aprender com as derrotas que só os grandes campeões têm, e mais tarde, como Elie Agur mostra, vai utilizar jogadas de centralização da Dama no tabuleiro, tal como fez Munoz na partida que estamos a discutir! Vejamos os comentários de Fischer no seu livro à partida com Larsen a um 16º lance seu : “...agora senti que a partida estava no bolso se não a “atamancasse”. Tive dezenas de partidas rápidas com esta posição e tornei-a quase numa regra científica : Abrir a coluna h, sac, sac...mate! “ Na partida com Muñoz não houve sac,sac...mate, mas sim “cf, cf...quase mate”, o que significa c file por parte das negras!
Portanto, Fischer perdeu, e numa luta gigante em que claramente um xadrezista amador e desconhecido o “limpou” do tabuleiro. Tentei encontrar respostas para o resultado neste artigo, mas falta colocar uma questão central, que raramente se faz , quando um grande jogador perde uma partida, com um jogador muito menos cotado: Afinal, que força tinha o jogo de Cesar Munoz. Seria o seu amadorismo, e inexperiência internacional , sinal de fraqueza de jogo prático a nível da concepção estratégica, ou visão táctica do Xadrez ? Claramente não. Recorrendo ao Chessmetrics de 2005 de Jeff Sonas, com tudo o que de falível e subjectivo que isso possa ter, Muñoz na altura do jogo com Fischer deveria ter uma força de jogo calculada num Elo de 2480, e pelo que conheço das poucas partidas deste jogador equatoriano, aponto exactamente para essa força de jogo, ou seja, Muñoz não era um jogador de Clube, de 1ª Categoria, da casa dos 2100-2200 e a partida com Fischer, principalmente a partir de determinada altura mostra claramente que sabia o que estava a fazer e que possuía belas capacidades de cálculo de variantes.
Como se referiu Cesar Muñoz Vicuña a esta partida, depois da sua bela vitória? Com esta simplicidade, apesar de se notar nas suas palavras alguma petulância –pudera-tinha vencido aquele que já na altura muitos prognosticavam como futuro Campeão do Mundo :
“Respecto a la partida con el Gran Maestro Bobby Fisher, Campeón de Estados Unidos, debo manifestar que se realizó en un plano eminentemente lógico, con gran tensión en las jugadas, ya que la posibilidad era sumamente complicada y con chances iguales. "El Niño Prodigio" cometió un error estratégico en la décima quinta jugada, error que lo aproveche de inmediato. Fui adquiriendo posición superior, materializándose, hasta que lo obligué a las 35 jugadas a una posición totalmente perdida. Así cayó el Campeón Americano."
Como veremos na análise que farei da partida num artigo posterior, o erro grave de Fischer não foi ao 15º mas ao 14ºlance, e sobretudo, a vantagem de Munõz materializou-se segura não ao lance que indica, mas com um erro grave de Fischer ao 18º lance.
Afinal que foi Cesar Muñoz Vicuña? Aqui uma "alegriazinha":a minha “bíblia” onde vou verificar todos os dados dos jogadores importantes das 64 casas, com milhares e milhares de entradas, tem uma falha! Não reconhece Cesar Muñoz, o jogador não existe! Finalmente uma falha nesta livro formidável ( só nomes, datas e títulos de cada xadrezista) de Jeremy Gaige “ Chess Personalia” , da McFarland.
Jogador equatoriano, nascido em 1929, Engenheiro Civil de profissão, teve uma carreira xadrezista relativamente curta , ou seja de 1951 a 1969, ano em que abandonou definitivamente o xadrez para se dedicar a outras actividades, nomeadamente Presidente da FEDENADOR-Federação Desportiva Nacional do Equador, e do Comité Olímpico Equatoriano, onde desenvolveu um trabalho excelente e reconhecido. Hoje, já falecido, é uma espécie de memória- figura de proa da nação equatoriana conhecido e amado pelo seu povo. Embora seja mais conhecido pelo seu papel no futebol, quando lembrado, bem sempre à baila a sua brilhante vitória sobre Fischer no campo do Xadrez.
Homem de pequena estatura, de carácter firme, algo arrogante , tinha uma fé enorme nas suas capacidades xadrezisticas, chegando numa entrevista depois da vitória sobre Fischer a afirmar que na época da Olimpíada de Leipzig, estava apto a defrontar qualquer grande jogador, até porque já tinha derrotado alguns ( não é verdade: tinha derrotado Larsen, Olafsson, e empatado com Lombardy, apenas!). Apesar de curta a sua carreira xadrezista teve momentos interessantes e as suas partidas demonstram que Muñoz era um forte jogador, que poderia ter ido mais além não fosse o seu amadorismo e a sua vida multifacetada. Vejamos a sua partida com Larsen sem comentários. Impressionante o ataque do equatoriano!
Larsen,Bent - Munoz,Cezar [A39] WchT U26 04th Reykjavik (2.1), 1957
1.Nf3 Nf6 2.c4 c5 3.g3 g6 4.Bg2 Nc6 5.0–0 Bg7 6.d4 cxd4 7.Nxd4 0–0 8.Nc3 a6 9.h3 d6 10.Be3 Bd7 11.c5 d5 12.Nb3 Qc7 13.Qc1 Rad8 14.Rd1 Bc8 15.Bf4 e5 16.Bg5 Ne7 17.Na4 Be6 18.Kh2 Rfe8 19.Nb6 Ne4 20.Bxe4 dxe4 21.Nd2 f6 22.Be3 f5 23.Bg5 h6 24.Bxe7 Rxe7 25.Qc2 Rf8 26.Nf1 f4 27.g4 e3 28.Rd6 e4 29.Qxe4 Bf7 30.Qd3 exf2 31.Nd7 f3 32.Ng3 fxe2 33.Nxf8 e1Q 34.Rd8 f1N+ 0–1
Não queria terminar este artigo sem o dedicar a um GM com que tive o prazer de jogar, de aprender uma lição de xadrez e sobretudo de uma humildade, simpatia e forma de estar no xadrez que muito me apraz registar: obviamente refiro-me ao GM FRANCO MATAMOROS do Equador. Aliás ele já escreveu umas linhas curtas sobre Cesar Muñoz. Se alguém o conseguir contactar, transmitam-lhe esta homenagem.
Obrigado.
(num próximo artigo a Partida Fischer- Muñoz, com comentários tirados de várias fontes)
Olhem bem. Repararam? De um lado um jogador profundamente concentrado imerso desde cedo na luta que se avizinha, talvez sabendo de antemão a superioridade do seu adversário, do outro...Fischer que olha o seu adversário entre o despreocupado e o “animal” que mais cedo ou mais tarde sabe que conseguirá a sua presa. Os espectadores, e muitos eram, desta partida, esperavam certamente o óbvio: “a degola do inocente”, ou seja, mais uma daquelas partidas brilhantes, claras, que caracterizavam o já jovem americano, principalmente com a abertura que desenhava no tabuleiro.
Como iremos ver, nada disso se passou! O Jogador equatoriano continuou concentradissimo toda a partida e Fischer acabou por ter de se aplicar a fundo numa partida muito complicada que acabou por perder. Parece que com o desenrolar da partida, eram cada vez mais os espectadores e jogadores que se aproximavam da mesa, e o silêncio pesado, enquanto os dois jogadores nem reparavam nesta azáfama! Partida intensa, dramática, no relato de quem a presenciou! Fischer estava pálido de morte ao assinar a folha de registo da partida e Muñoz radiante! A garrafa-termo com sumo de laranja que costumava acompanhar Fischer por esta altura, ali ficou, prova de um abandono rápido e em força do GM americano no fim da partida.
Teria Fischer subestimado o seu adversário ? Talvez. Sejamos honestos, Muñoz não era ninguém no mundo do Xadrez, era apenas um Mestre Nacional equatoriano com poucos torneios jogados, principalmente com grande inexperiência de jogos com fortes jogadores. Ainda por cima era amador, jovem Engenheiro recém formado. Numa época em que não existiam bases de dados, Net, nem sequer ainda Informator, nem a circulação de revistas de xadrez fosse comum, é natural que Fischer desconhecesse duas interessantes partidas jogadas por Muñoz, onde este jogador bateu duas promessas do xadrez em ascensão: Bent Larsen e Olafsson e isso aconteceu no Campeonato Mundial Universitário por equipas disputado na Islândia em 1957. Porventura também não conhecia o empate conseguido contra Lombardy, nesta mesma competição. Digo é natural, mas poderia dizer é provável, porque Fischer era um estudioso louco de xadrez e, todos sabemos como aprendeu russo e servo-croata para devorar os segredos de muitas revistas de xadrez da Europa de Leste.
Outro dado curioso para avaliar esta partida: Fischer nunca tinha perdido contra uma Dragão, tendo de todos os seus adversários , apenas um obtido um empate, ainda com “Fischer-ciança”. De todas as vitórias contra esta abertura, talvez a mais célebre foi contra Larsen, no Interzonal de Portoroz de 1959, partida extensamente comentada no “My 60 Memorable Games” com o título dado por Larry Evans de “Slaying The Dragon”. E aqui um fenómeno curioso: Fischer mesmo comentando esta partida à posteriori da partida jogada com Muñoz, não pode deixar de mostrar um profundo desprezo, eu diria, quase incorrecção xadrezística por esta abertura, quase exorcizando a derrota que teve com a Dragão do jogador equatoriano.
Ainda mais curioso é que Fischer tinha uma memória fabulosa e sobretudo uma capacidade de aprender com as derrotas que só os grandes campeões têm, e mais tarde, como Elie Agur mostra, vai utilizar jogadas de centralização da Dama no tabuleiro, tal como fez Munoz na partida que estamos a discutir! Vejamos os comentários de Fischer no seu livro à partida com Larsen a um 16º lance seu : “...agora senti que a partida estava no bolso se não a “atamancasse”. Tive dezenas de partidas rápidas com esta posição e tornei-a quase numa regra científica : Abrir a coluna h, sac, sac...mate! “ Na partida com Muñoz não houve sac,sac...mate, mas sim “cf, cf...quase mate”, o que significa c file por parte das negras!
Portanto, Fischer perdeu, e numa luta gigante em que claramente um xadrezista amador e desconhecido o “limpou” do tabuleiro. Tentei encontrar respostas para o resultado neste artigo, mas falta colocar uma questão central, que raramente se faz , quando um grande jogador perde uma partida, com um jogador muito menos cotado: Afinal, que força tinha o jogo de Cesar Munoz. Seria o seu amadorismo, e inexperiência internacional , sinal de fraqueza de jogo prático a nível da concepção estratégica, ou visão táctica do Xadrez ? Claramente não. Recorrendo ao Chessmetrics de 2005 de Jeff Sonas, com tudo o que de falível e subjectivo que isso possa ter, Muñoz na altura do jogo com Fischer deveria ter uma força de jogo calculada num Elo de 2480, e pelo que conheço das poucas partidas deste jogador equatoriano, aponto exactamente para essa força de jogo, ou seja, Muñoz não era um jogador de Clube, de 1ª Categoria, da casa dos 2100-2200 e a partida com Fischer, principalmente a partir de determinada altura mostra claramente que sabia o que estava a fazer e que possuía belas capacidades de cálculo de variantes.
Como se referiu Cesar Muñoz Vicuña a esta partida, depois da sua bela vitória? Com esta simplicidade, apesar de se notar nas suas palavras alguma petulância –pudera-tinha vencido aquele que já na altura muitos prognosticavam como futuro Campeão do Mundo :
“Respecto a la partida con el Gran Maestro Bobby Fisher, Campeón de Estados Unidos, debo manifestar que se realizó en un plano eminentemente lógico, con gran tensión en las jugadas, ya que la posibilidad era sumamente complicada y con chances iguales. "El Niño Prodigio" cometió un error estratégico en la décima quinta jugada, error que lo aproveche de inmediato. Fui adquiriendo posición superior, materializándose, hasta que lo obligué a las 35 jugadas a una posición totalmente perdida. Así cayó el Campeón Americano."
Como veremos na análise que farei da partida num artigo posterior, o erro grave de Fischer não foi ao 15º mas ao 14ºlance, e sobretudo, a vantagem de Munõz materializou-se segura não ao lance que indica, mas com um erro grave de Fischer ao 18º lance.
Afinal que foi Cesar Muñoz Vicuña? Aqui uma "alegriazinha":a minha “bíblia” onde vou verificar todos os dados dos jogadores importantes das 64 casas, com milhares e milhares de entradas, tem uma falha! Não reconhece Cesar Muñoz, o jogador não existe! Finalmente uma falha nesta livro formidável ( só nomes, datas e títulos de cada xadrezista) de Jeremy Gaige “ Chess Personalia” , da McFarland.
Jogador equatoriano, nascido em 1929, Engenheiro Civil de profissão, teve uma carreira xadrezista relativamente curta , ou seja de 1951 a 1969, ano em que abandonou definitivamente o xadrez para se dedicar a outras actividades, nomeadamente Presidente da FEDENADOR-Federação Desportiva Nacional do Equador, e do Comité Olímpico Equatoriano, onde desenvolveu um trabalho excelente e reconhecido. Hoje, já falecido, é uma espécie de memória- figura de proa da nação equatoriana conhecido e amado pelo seu povo. Embora seja mais conhecido pelo seu papel no futebol, quando lembrado, bem sempre à baila a sua brilhante vitória sobre Fischer no campo do Xadrez.
Homem de pequena estatura, de carácter firme, algo arrogante , tinha uma fé enorme nas suas capacidades xadrezisticas, chegando numa entrevista depois da vitória sobre Fischer a afirmar que na época da Olimpíada de Leipzig, estava apto a defrontar qualquer grande jogador, até porque já tinha derrotado alguns ( não é verdade: tinha derrotado Larsen, Olafsson, e empatado com Lombardy, apenas!). Apesar de curta a sua carreira xadrezista teve momentos interessantes e as suas partidas demonstram que Muñoz era um forte jogador, que poderia ter ido mais além não fosse o seu amadorismo e a sua vida multifacetada. Vejamos a sua partida com Larsen sem comentários. Impressionante o ataque do equatoriano!
Larsen,Bent - Munoz,Cezar [A39] WchT U26 04th Reykjavik (2.1), 1957
1.Nf3 Nf6 2.c4 c5 3.g3 g6 4.Bg2 Nc6 5.0–0 Bg7 6.d4 cxd4 7.Nxd4 0–0 8.Nc3 a6 9.h3 d6 10.Be3 Bd7 11.c5 d5 12.Nb3 Qc7 13.Qc1 Rad8 14.Rd1 Bc8 15.Bf4 e5 16.Bg5 Ne7 17.Na4 Be6 18.Kh2 Rfe8 19.Nb6 Ne4 20.Bxe4 dxe4 21.Nd2 f6 22.Be3 f5 23.Bg5 h6 24.Bxe7 Rxe7 25.Qc2 Rf8 26.Nf1 f4 27.g4 e3 28.Rd6 e4 29.Qxe4 Bf7 30.Qd3 exf2 31.Nd7 f3 32.Ng3 fxe2 33.Nxf8 e1Q 34.Rd8 f1N+ 0–1
Não queria terminar este artigo sem o dedicar a um GM com que tive o prazer de jogar, de aprender uma lição de xadrez e sobretudo de uma humildade, simpatia e forma de estar no xadrez que muito me apraz registar: obviamente refiro-me ao GM FRANCO MATAMOROS do Equador. Aliás ele já escreveu umas linhas curtas sobre Cesar Muñoz. Se alguém o conseguir contactar, transmitam-lhe esta homenagem.
Obrigado.
(num próximo artigo a Partida Fischer- Muñoz, com comentários tirados de várias fontes)
Devo lhe dizer que fico feliz por ver um blog assim e em português, já que sou também amante da vertente histórica do jogo. É das poucas coisas que uso para ganhar animo quando não me sinto tão bem com a modalidade. Seguirei este blog daqui adiante. Parabéns.
ResponderEliminarCaro Arlindo Vieira:
ResponderEliminarÉ disto que o nosso xadrez precisa!
A tua reflexão fazia falta e quem verdadeiramente sente a essência do jogo/arte não pode ficar indiferente.
A minha ligação ao xadrez de 30 e poucos anos ajuda-me a compreender as tuas dúvidas e incertezas quanto à forma (ou ao conteúdo) como tem sido a trajectória de desenvolvimento da modalidade do nosso País.
Aprecio o teu pragmatismo na abordagem aos temas propostos.
A partir de agora, serei mais um teu fiel leitor.
É disto que o nosso xadrez precisa!
Um forte Abraço,
Fernando Pinho
Caro Arlindo,
ResponderEliminarAcabo de ter o primeiro contacto com o «Xadrez Memória», que de certa forma há muito suspeitava estar para nascer...
Sempre achei inevitável que alguém com os seus conhecimentos e a profundidade da sua escrita, partilhasse o seu amor ao Xadrez - com X maiúsculo - com aqueles que se identificam com esta forma de apreciar Caissa.
Este delicioso artigo é um perfeito exemplo do que é saber escrever sobre Xadrez, do que é compreender o Xadrez, do que é saborear o Xadrez. Sosonko, o genial articulista da New in Chess, autor de algumas das melhores notas biográficas das personalidades do tabuleiro, ficaria orgulhoso de o ter escrito...
Ao indispensável «Chess Notes» de Edward Winter, ao vizinho «Escacultura» de Javier Asturiano, ao «Chess Museum» do Lanier, juntamos agora em português, o «Xadrez Memória» do Arlindo Vieira.
Noutro país, noutro contexto, noutra cultura já teríamos os seus textos em livro. Não sendo possível, podemos felizmente encontra-los neste espaço.
Os meus parabéns.
Um abraço
Alexandre Monteiro
Parabéns e muita inspiração para este novo projecto!
ResponderEliminarSe ainda não existia um espaço assim na Internet é porque tudo o que é feito com alma dá trabalho...mas, como disse alguém um dia, esse trabalho valerá a pena porque, mesmo que os visitantes sejam poucos, os seus efeitos perdurarão no tempo, pois aqui sempre existirá um último reduto, um cofre-forte de alguns dos maiores tesouros que o xadrez proporciona:
A arte, a estética, o espírito das épocas, a cultura dos povos, a altivez dos grandes jogadores, os ambientes que envolveram os grandes momentos em que uma obra - prima se materializou sobre um tabuleiro..."
Um Abraço de felicitações
António Castanheira
Impressionante.
ResponderEliminarVi um artigo comemorando essa partida recentemente, alguns nunca a esquecem... E não é pra menos... Jovem Fischer não era brinquedo.
Belo artigo