Foi hoje. Jantar , bolo e parabéns na nossa sede, torneio de rápidas, mas sobretudo o encontro, o convívio, o reencontro afetivo com xadrezistas que se encontravam afastados do xadrez e do Grupo de Xadrez do Porto vai para anos e refiro-me ao Carlos Prezado, Manuel Matos, Vladimiro Miranda, e António Carlos.. Dois deles foram palestrantes bem memoriados num amena cavaqueira que envolveu o Mário Marques e as suas pesquisas sobre o Gencsi Dezso, o Dinis Ribeiro e vários aspectos ligados a cultura, arte e filosofia no xadrez . Vladimiro Miranda e Manuel Matos sócios do GXP de longa data, mas jogadores muito fortes do FCP em anos já bem idos, relembraram rivalidades, destilaram algumas histórias curiosas, bem como apelaram à união do Xadrez em geral e do nosso Clube em particular, sempre num estilo em que afeto e humor andaram lado a lado. Algumas intervenções de sócios, nomeadamente do Carlos Prezado acabaram por enriquecer esta mesa "quadrado" em que o G.X.P foi Rei.
Uma tarde bonita, bem passada, diria à Grupo de Xadrez do Porto.
A mim pediram-me para falar. Li um texto. Aqui deixo esse texto. Também assim se constrói a História de um Clube peculiar como disse o Matos, um Clube de convergências como afirmou o Vladimiro, ou um Clube primeiro para alguns e segundo de todos para os outros que jogam xadrez, como uma vez afirmou o Carlos Prezado.
Longa vida ao MEU GRUPO DE XADREZ DO PORTO.
Passei
minutos largos a pensar no Grupo. 79 anos não se conseguem pesar em nenhuma
balança de afeto. Pode-se olhar o Grupo de Xadrez do Porto de fora, ou pela
parte de dentro. Pela parte de fora e solar talvez seja o mais fácil: a
História, ou as Estórias, os troféus, a competição, o património e tudo o que
foi o património material e imaterial do Grupo. Da parte de dentro, talvez a da
chuva intima, e essa por sê-lo molha e cola-se ao silêncio de afeto, a esse
túnel imponderável e insondável da memória, que mesmo doendo algumas vezes,
talvez seja o que melhor vai resistindo à erosão dos sentimentos.
Comovo-me
assim a leste de mim, lugar onde nunca faço férias de quem gosto e do que gosto,
e comovo-me dessa torrente cascata de pensamentos que num gesto de alquimia
transforma o ontem no agora, o banal no rico oiro do dia, o acontecimento
fortuito na força motriz da vida de uma instituição. E comovo-me, nem que seja
pelo riso, pela interior gargalhada sonora, pelo lampejo luminoso de uma
recordação doce como algodão.
Paro
o tempo, escolho de memória, mesmo do conhecimento, um tropel do passado e não
é difícil, manejável, dócil, e reversível como é o tempo da memória, que o real,
esse tique taque de relógio irreversível onde se perde sempre para o tempo.
Faz-se
silêncio cá dentro e de súbito…descem as calças do Aristides para umas
costureirinhas que não o sendo da Sé, mas de Passos Manuel, lá se ficaram de
agulha na mão entre o ai jesus católico apostólico romano, ou quem sabe entre a
visão mais ou menos celestial do visionado. Uma coisa é certa, ou pelos dotes
artísticos e exponenciais do “Stripper Arestaides”, ou pelo pouco tempo do
espetáculo, houve queixa às autoridades competentes, nomeadamente à provecta e
honrada Direção do Grupo quem em douta reunião aplicou o respetivo esfriamento
a sócio que tão acalorado andava. Que aprenda esta e futura direção: calças
abaixo, punição adequada acima! Apesar de não gostar de ficheiros secretos, uma
coisa me intriga ainda hoje neste momento sexual esquístico que nem o Blogue do
Kevin consegue igualar: afinal, o que é isto? O Aristides baixou as calças,
mas… não tinha cuecas!? Ou baixou as calças e as cuecas? É que uma coisa é uma
coisa e outra são duas! Na investigação deste processo, não consegui resolver
este mistério intrigante, e uma Direção que se prezou em julgar e atar este
caso, deveria ter levado a investigação a este grau de perfeição antes da
aplicação de pena. Comigo, com cuecas e tudo, duas semanas de castigo no Meco,
só calças, obrigação de mostrar agora cabelos do peito a peixeiras do Bolhão!
Mais
sério agora: vejo alguém a levar a mão à boca, meio grogue, e a encostar-se a
um bilhar sem fazer como se diz no Porto “ dar a volta ao bilhar grande”, que
por acaso era dos grandes e aquecidos onde o Ferraz até tinha caramboleado, mas
grogue sim senhor, porque Mestre Mário Machado, na sua raiva ou de não ter sido
convidado para uma sessão de boxe no Palácio de Cristal, ou de no xadrez não gostar
de empatas, tinha acabado de pregar um autêntico “uppercut” num distinto senhor
que lhe andava a aguilhoar o juízo e a dar cabo do Grupo. Disse uppercut, mas
deveria antes dizer uma “pera fegatelliana” com molho de francesinha e com mate K.O não sei em que round!
Silêncio
agora, mas mesmo silêncio. Jogam duas venerandas e idosas figuras; uma daquelas
partidas com resultados anotados, não estilo pauzinhos de sueca, mas naquele
estilo ressentido e ronha de ontem f…hoje vou-te f.eu! Largo os olhos do meus
Botvinnik, e reparo que a figura de costas, sub-repticiamente tenta meter no
tabuleiro um peão que estava de fora, comido que tinha sido, mas com um
mindinho habilidoso, lá tentava a arte da ressurreição da peonagem assassinada,
mas qual o meu espanto, o de frente tentava com falatório distrativo para o seu
adversário, rodar o manípulo do ponteiro do relógio, coisa de ratito, que o
mindinho habilidoso, mas olhar de coruja, topou. E vociferou, e ameaçou, e outro respondeu historiando
outras “mindinhices” históricas, e o mindinho pediu ajuda aos colegas anelares,
e polegares, e só não chamou os dos pés, porque sapateados, e pegou na muleta
que estava no seu lado direito e ergueu-a bem alto, qual estandarte de Aljubarrota
e o outro meio encolhido lá foi para trás da cadeira, qual trincheira defensiva
e…eu a intervir como a crianças de infantário desavindas e a ameaçar de tau-tau
e a explicar que tudo não tinha passado de um mal entendido, e que se calhar o
mal entendido tinha sido apenas arranjar o relógio, e que o peão tinha sido no
fragor da luta também sem querer arrastado para as 64 casas. vermelhos, quase
babados, lá acalmaram. E foi numa partida ocasional daquelas ao início da tarde
de um dia de semana.
Barulho
outra vez, mas longínquo, cadenciado, ritmado, amaciado por borracha a bater em
madeira. Fim da tarde, sala silenciosa. Contava, um..dois…três… quatro,
infindáveis minutos, até que quase cem anos entram na sala e dois sóis de olhar
irradiam felicidade, O barulho, eram as muletas que penosamente apoiavam um
esforço hercúleo de subida de poucas escadas para alguém já muito debilitado.
Sentava-se, olhava deliciado para as paredes, os móveis e mexia
prazenteiramente as peças de madeira. De súbito e em contraste, passos
apressados, de procura, angustiados, galgadas num ápice as velhas e carunchosas
escadas. Entrada ofegante na sala e olhar de reprimenda para o velho ancião. As
palavras sem maldade, mas a medo: outra vez Pai? Já lhe disse que não pode
fazer isso, sair de casa sozinho, da maneira como está! Vamos lá para casa!
Era. O Mestre Faria, fugia de casa com quase cem anos, apanhava transporte, e
vinha para o Grupo de Xadrez do Porto, mesmo já com muitas dificuldades
físicas. Percebi que queria levar o Grupo com ele na sua partida. Era tão dele
o GXP, como o era o seu já fraco respirar. A tudo assisti, lume dos meus olhos,
fulgor de coração que ficou para sempre Mestre Faria.
Ainda
o silêncio, agora de ambiente de torneio. Aproximava-se o controlo de tempo. Um
rapazito ainda adolescente parece manejar com facilidade da idade a angústia do
levantar do ponteiro, o seu adversário, já quarentão, não. Branco, nervoso,
agitado, olha com terror para o tempo que se esvaía, para o tabuleiro agora,
outra vez para o relógio, outra vez para o tabuleiro e joga uma peça com
velocidade vertiginosa, o seu adversário esboça um sorriso e com decisão
próxima da arrogância, ganha uma peça. Caro de pavor absoluto, um olhar mais
para o relógio, segundos a escoar, vai jogar…não joga, porque o seu adversário
sonoramente avisa “caiu!”. Não há cumprimentos. O que perdeu (e sabia que ia
perder, porque havia um complexo que o levava sempre a perder com este adversário)
levanta-se lívido, branco da cor da gabardina que tinha na mão, quase autómato.
Não sabe o que dizer ou fazer. Lia-se a frustração toda do mundo no rosto, na
postura. O que ganhou sorri aberta e francamente, enquanto balbucia que teve
sempre a partida ganha. O outro ouviu, irritou-se, disse algo que me pareceu
“você não sabe ganhar, seja bem educado” e vestindo a gabardina de supetão,
pega no seu livro de xadrez da Batsford e sai como um raio pela porta fora. Os
seus passos de raiva, faziam ranger as escadas do GXP. Foram os duelos mais
encarniçados e titânicos (talvez só igualados pelos a feijões” e estilo bisca
lambida entre o Pinho e o Castro, ou os rapidinhas de rachar lenha entre o
Silva e o Paulo Ferreira) que assisti na minha vida. E diga-se que o perdedor
era dos jogadores mais corretos e afáveis que conheci, enquanto o ganhador era
uma força de vida e gosto pelo xadrez. A ambos o destino foi cruel, ambos nos
deixaram nesta crua e fria senda do quotidiano. Que saudades Sílvio Santos! Que
ternura na minha saudade, caro Bernardino Passos.
Uma
figura sorri para ninguém, abstrata no seu mundo interior. Fuma o cigarro numa
forma muito característica de sofreguidão. Revira ligeiramente os olhos e
continua a sorrir. Figura estranha. Alto, calças à rega milho, nariz com
curvatura pronunciada, quase adunco, olhos nervosos, inquietos que fixam tudo
no nada. Olha o tabuleiro, balbucia qualquer coisa enquanto o seu adversário
medita. Impávido, o seu adversário medita, no cansaço, tira os óculos, coloca-os fechados
no lado contrário ao do relógio. O
outro continua a sorrir agora para os óculos, como se inertes fossem dois olhos
vazios que o olhavam e, de súbito, levanta-se, pega nos óculos do seu
adversário, coloca-os no chão e..salta, uma , duas vezes, desfazendo-os em
bocados. Pega neles, coloca-os no sítio onde estavam, senta-se, coloca as mãos
no rosto e começa a analisar a posição. O Gilbert, o Jaime cujo mundo
impenetrável se tornou o seu castelo de rei de curto reinado. Tanto lhe deveu o
Grupo em êxitos no tabuleiro.
E
a calma, a ponderação, a suavidade luzidia como a sua calva do senhor Carvalho?
E aquela voz melhor do que cantor do Metz em ópera de gala que mal me encarava
me dava as boas tardes com aquele sorriso grande, aberto, de Homem-Bom e a
célebre frase“ Então Amizade, ainda de corpinho aberto” ? E um dos meus Mestres, o Machado? Aquele
sorriso maroto de “quem a sabia toda”, de quem muito andou e muito para andar,
de quem mais consegui sacar o sumo do amor à História do xadrez, do gosto pelos
finais, das boas e ternas conversas, das análises de partidas de fim de tarde
de sábado, das nossas discordâncias sobre os atributos não xadrezisticos da
Kosteniuk, de ele achar o site do Kevin, bom, e eu, no xadrez sim, no resto nem
por isso. Das raríssimas pessoas que ainda me conseguiu restituir um xadrez
límpido, cristalino, puro, do antes das resmas de variantes e de conhecimento
balofo, como o senti com 14, 15 anos no Palladium.
E
o…”Pinho da Lixa” que há trincha ou brocha lá nos fazia ter saudades da parede
suja antes das obras? E a ajuda entre o esburacada-desastrada do trolha Castro,
que queria fazer das paredes da sala do Grupo queijo suíço?
E homem dos andaimes? Tenham medo, muito medo andaimes que o Rogério vem
aí! E o choque dos electrochoques na instalação da eletricidade da sala do
Grupo- aquilo ou ia a bem ou a berbequim ou a car…, mas ia! A ele, ao Rogério
até a eletricidade tem respeitinho. E melhor que o fazedor de milagres, o
fazedor de tabuleiros do Grupo?
E
na História do Grupo, as não poucas vezes que durante Assembleias Gerais,
quando um ou dois sócios iam tomar café, quando voltavam, estavam nos órgãos
dirigentes, mesmo sem estarem em lista ou quererem? Não havia, arranjava-se! E
“ quem vai à guerra, cargo leva” ! Por isso aviso: nas Assembleias Gerais, não
saia do seu lugar!
E
o querido Velez Grilo que começava no Alekhine, passava pelo Kasparov e
terminava na Faculdade de Engenharia e terminava na eletrificação da Ponte da
Arrábida ?
E
o Brandão, num programa televisão a deitar faladura da boa sobre o G.X.P, mas
com um cenário que parecia a Televisão da Coreia do Norte?
E
as vezes que o Grupo serviu para muita coisa e Vª Excª(s) não têm nada com
isso, até para um rapaz entrar no GXP pelas três da tarde e ficar a dormir até
ao dia seguinte com o seu computador portátil Kasparov?
E o homem do anel dourado no dedo, que por
vezes nos visitava pela tarde acompanhado da sua madame pompadour de ataque?
E
alguém que tinha uma tara de roubar só uma peça de um jogo, ou a mola de um
cinzeiro? E aquele som característico entre o afogado e o arrotado do
autoclismo sanitário do Grupo? E aquela lâmpada diferente das outras num
arremedo de “uma diferente todas iguais” o Grupo pela integração? E a cera de
abelha que aumentou a produção devido a um tarado encerado? E los Romances do
Grupo? Bem, estou a referir-me ao do Mário Marques…que pensavam?
E…tanta
coisa.
Morro-me
de tristeza, ressuscito de alegria. Como a vida do Grupo.
Para um tabuleiro de 79 casas
No coração queima ainda o lume,
Alado Cavalo no tabuleiro,
Salta, sonha inteiro
Da ambição suprema, o cume.
Vida longa, vastidão de horizontes,
Sólida Torre de esperança
Coluna, esteio, perseverança
Vida pouca, com tamanhas fontes
Peões de serviço, sem anseios de
promoção
Vida, tabuleiro de lembranças
Movimentos, perdas, ganhos, esperanças
Estamos, vamos, outros continuarão
Reis assim seremos, esfarrapados,de
joelhos
E habitados de sonho acreditado
Continuaremos o caminho continuado
Como o sol, nunca nos cansaremos de ser
velhos
A.V