XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

08/05/10

LASKER...BURN


INTRODUÇÃO




Mais Lasker... agora vencido pelo Flash pgn viewer, porque para alguns leitores, a “preguiça” xadrezista assim o obriga,quando não a poupança de papel e tinteiros. Assim mais um factor ecológico neste blogue, embora os meus leitores saibam que sou adepto das impressões e tabuleiro ao vivo!

Assim, mais Lasker e a partida que me abriu o fascínio para este fenomenal jogador da História do Xadrez. Burn - Lasker, Paris 1900 ,Uma partida pouco conhecida que não consta das grandes obras-primas do tabuleiro com que nos brindou o grande Emanuel. Uma partida que conhecia ao correr da mão, mas que com o livro de Fine-Reinfeld –Fine, se me apresentou com um a força, uma imagem de Lasker como até aí não tinha percepcionado.


Foi com esta partida que começou a minha tentativa de perceber como Lasker jogava, como era o seu estilo, o porquê do seu jogo não ser entendido pelos seus contemporâneos, a estranheza de Lasker ser tão pouco analisado, tão pouco amado nos círculos xadrezisticos, mesmo ao nível dos Grandes-Mestres.


No fundo a minha percepção que Lasker estava anos-luz à frente do jogo do seu tempo, que a incompreensão sobre o seu jogo era claramente um sintoma de uma verdade hoje assumida: o jogo de Emanuel Lasker era de uma modernidade assombrosa, de uma concepção de jogo hoje comum: a adaptação instintiva e genial a cada situação no tabuleiro, uma profunda imersão nos segredos da posição, um dinamismo de jogo, uma estratégia de contra-ataque sempre latente mesmo em posições inferiores, sempre alicerçado numa capacidade de análise muito profunda.


A partida deste artigo, já a reproduzi dezenas e dezenas de vezes e sempre este demorado fascínio:

Como é possível jogar assim?

Como do nada, do quase nada, se consegue extrair uma posição cheia de dinâmica?

Pode-se ganhar uma partida, em que as nossas peças estão na maior parte do tempo na 8ª, 7ª e 6ª linha?

Pode-se ganhar uma partida, jogando as peças para trás e para a frente, mesmo jogando as mesmas peças?

Pode-se ganhar uma partida, aproveitando uma fraqueza mínima do adversário numa dinâmica de tabuleiro perfeita entre peças e peões, e nessa dinâmica abarcar de uma forma soberba as alas do tabuleiro?


A sensação que se fica é que Amos Burn jogou mal , aliás como foi referido pelos contemporâneos que comentaram esta partida, mas penso que esse comentário se deveu mais à incompreensão sobre o jogo de Lasker. Aliás, Amos Burn não era um jogador qualquer, e a biografia de Richard Forster de quase mil páginas prova-o - um grande jogador!


Então, o que se passou? Muito simples na minha opinião: Amos Burn cedeu a fraqueza em c3, pela ideia de que claramente teria mais mobilidade, espaço, jogo de peças, em suma, “mais tabuleiro”! Aliás, calculo que até ao lance 14...Bc7 ! de Lasker, Burn estaria mesmo convicto da sua superioridade. Quantos de nós olhando para o tabuleiro, não preferiríamos a posição branca ao lance 13?


Depois, depois... Depois ... aquilo que ainda hoje acho que caracteriza o jogo de Emanuel Lasker. O contra-ataque rápido, eficaz, mais do que procurado, sempre latente nas suas posições.


Sabem o que acho do jogo de Lasker? Uma mola, uma mola daquelas molas fortemente comprimidas, que quando se abrem, saltam com uma força notável! Reparem se não é assim nesta partida!


Ou... uma cobra, uma espécie de “naja” do tabuleiro, sempre alerta, sempre atenta, mas que acossada se projecta violentamente sobre o adversário! O Bc7, o a5, o h5 de Lasker são claramente a distensão para um contra-ataque demolidor e o aproveitamento das “distracções” posicionais do jogo de Burn!


Não, Burn, não jogou mal, simplesmente jogou, só que a profundidade a imersão nos segredos da posição, a percepção de tabuleiro de Lasker erta de tal maneira avançada que Burn nunca conseguiu captar a essência do que acontecia. Digamos que Burn fez lances normais, Lasker foi prevendo tudo num timing perfeito do que estava a acontecer e numa adaptação notável a cada circunstância, até sentir a posição das brancas “cair de madura” .


Se quisesse ser polémico, digamos que Lasker era um “Super Grande-Mestre” e Burn um Grande-Mestre apenas! Ou a diferença entre um GM e um jogador de Clube, pronto!

A sensação que se fica depois de reproduzir a partida é curiosa: tudo simples, lógico, eficaz, do estilo “ até parece fácil, até eu fazia isto” , e isso dá-me vontade de rir, porque muitas vezes são efectivamente as partidas como estas que são grandiosas, que mostram o que esconde a beleza eterna do xadrez, à superfície de 64 casas. No fundo esta facilidade, é de uma complexidade, de um sentido apurado de posição, de um instintivo saber o que se está a passar no tabuleiro, de uma elaboração mental muito basta de colaboração entre peças e peões, de interactividade no tabuleiro, de previsão de acções, de grande análise de variantes e escolha do lance certo pedido pela posição.

Por isso nem todos os GM eram Emanuel Lasker, por isso Emanuel Lasker estava furos acima da concorrência, por isso ganhava, por isso para mim é o maior jogador da História do Xadrez. Gostos!

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