XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

08/05/10

LASKER -BURN Paris,1900


Burn,Amos - Lasker,Emanuel

Paris , 22.05.1900
[Spielmann, Soltis, Fine, Reinfeld, Forster, a]


1.d4 d5 2.c4 e6 3.Cc3 Cf6 4.Cf3 c5 5.cxd5 cxd4

Janowsky e LaBourdonnais jogaram 5...exd5 nos poucos exemplos conhecidos antes desta partida

6.Dxd4 Cxd5

[6...exd5 era perfeitamente seguro. Todavia como é conhecido, Lasker prefere variantes que conduzam a uma troca de Damas - Schlechter (Amos Burn-Forster)
Quase noventa anos passados esta posição chegou a ser favorita de Kramnik e Anand com Brancas e de Adams e Korchnoi de negras, enquanto Topalov, a joga de ambas as cores.Não se pense que esta partida criou uma espécie de "linha obrigatória". Em 1925 Nimzovich obteve uma vitória importante sobre Tarrasch continuando com 7.e3 e em 1955 Bronstein jogou contra Benko 7. Bg5 ( Soltis) era perfeitament seguro.

7.e4! (Soltis)

[7.Cxd5 exd5 8.e4 dxe4 9.Dxe4+ De7 com posição igualada, como seguiu na partida Uhlman-Keres Moscovo,1956 (Khalifman, Soloviov)
Era certamente melhor a troca de cavalos, mas Burn joga para o empate e isso explica a sua despreocupação com o enfraquecimento dos peões do flanco de Dama ( Fine, Reinfeld)]

7...Cxc3 8.Dxd8+ (?)

O que fez reviver esta variante foi o facto de as brancas ficarem com ligeira vantagem depois de 8. Dxc3, já que as negras têm dificuldade em completar o seu desenvolvimento (Soltis)" As brancas jogam para o empate.Apesar de tudo a troca de Damas traz imperceptivelmente uma fraqueza no Peão c3, o que gradualmente trará uma paralisia no organismo posicional das Brancas, sobretudo graças à objectividade do Jogo de Lasker - Spielmann ( Amos Burn-Forster)

Uma pequena mas segura vantagem era conseguida com 8.Dxc3!. A decisão de Burn é estranha, já que Lasker era considerado um especialista de finais, mas o mesmo já não se pode dizer de Burn. Para além de tudo, jogar de brancas para o empate não faz sentido num torneio como este, em que tal faria com que se jogasse uma segunda partida com cores invertidas. (Livro do Torneio) [8.Dxc3 Bd7 (8...Cc6 9.a3 (9.Bb5 Bd7 10.0–0 (Soltis)) ) 9.Be2 Ca6 10.0–0 Tc8 11.Db3 Cc5 12.De3 Be7 13.Ce5 0–0 14.b3 ligeira vantagem branca-Polugaevsky-Keres, Tallinn,1973 (Khalifman, Soloviov)]

8...Rxd8 9.bxc3


Spielmann escreveu no Wiener Schachzeitung que as brancas perderam a partida devido à fraqueza de c3. Todavia, outros factores posicionais podem ser apontados como positivos na posição branca, se a compararmos com a variante Alapin da Siciliana nesta posição:1.e4-c5 2.c3-Cf6 3. e5-Cd5 4.Cf3-Cc6 5.d4-cxd4 6.cxd4 -d6 7.Cc3 - dxe5 8. dxe5 - Cxc3 9. Dxd8, seguido de 10.bxc3 isto era considerado mau para as brancas devido ao peão fraco c3, todavia nos anos 60, as brancas começaram a ganhar pontos através de jogo táctico agudo, por exemplo:9...Rxd8 10.bxc3 - h6 11.Bb5-e6 12. Be3 e a2-a4-a5 ou9...Cxd8 10. bxc3 - a6 11.Be3-Cc6 12.Bc4-Bf5 13. e6! seguido de Cd4 ( Soltis)

9...Bc5

As Brancas devem impedir 10.Be3 ( Soltis)


10.Ce5


A manobra do Cavalo branco destina-se a impedir as negras de completar o desenvolvimento natural da sua Torre de Rei ( Livro do Torneio). Spielmann recomendava rocar rapidamente tendo como objectivo um "jogo vivo das peças", e talvez estivesse a pensar em duas variantes que todavia não cumprem a sua função (Soltis)"As Brancas apercebem-se agora da fraqueza da sua posição, mas a artificialidade desta manobra só piora a posição. 10 Cd4 seguido de Be3 era preferível ao lance jogado (Fine, Reinfeld) [10.Bg5+ f6 11.0–0–0+ Rc7 12.Bf4+ (12.Bh4 Cc6 13.Bg3+ e5 14.Cd4 Td8) 12...e5 13.Bg3 Bg4; 10.Cd4 ( o moderno tratamento desta variante, criando problemas tácticos às negras antes da conexão das suas Torres-Soltis) 10...Bd7 11.Be3 e5 12.Cf5 Bxf5 13.Td1+]


10...Re7! Diagrama


Um lance de uma precisão notável ( Fine, Reinfeld)
Muitos GM teriam evitado esta linha de jogo em virtude da resposta das Brancas. Lasker preferiu-a a 10...Re8 11.Bb5+ Cd7 12.Re2, já que 12....a6 13.Bxd7 -Bxd7 14.Cxd7 - Rxd7 15.Be3, deixaria pouco material no tabuleiro para aproveitar a fraqueza do Peão c3 (Soltis)
[10...Re8 11.Bb5+ Cd7 12.Re2 a6 13.Bxd7+ Bxd7 14.Cxd7 Rxd7 15.Be3 Bxe3= (15...Ba3?! 16.Thd1+ Re7 17.Tab1 b5 18.c4 bxc4 19.Tb7+ Rf6 20.Tdd7 Thf8 21.Tbc7 Tac8 22.Txf7+ Com grande Vantagem (Fine, Reinfeld)) ]


11.Cd3!

Uma óptima ideia que afasta o Bispo de uma das diagonais. (Soltis)

11...Bb6

[11...Bd6? 12.e5 Bc7 13.Ba3+; 11...Cd7 12.Cxc5 Cxc5 13.Ba3 Com uma pequena vantagem devido ao par de Bispos (Khalifman, Soloviov)]


12.Ba3 Re8 13.Ce5


Essencialmente esta é a mesma posição que as negras teriam obtido se tivesses jogado ao lance 10...Re8. As diferenças parecem favorecer as Brancas : Estas desenvolveram o seu Bispo a a3, enquanto as Negras retiraram o seu a b6. Ainda assim as negras têm um tempo a mais comparado com 10...Re8. Porque razão teria Lasker preferido esta posição? A resposta será dada ao lance 14 das negras. (Soltis)

"Evidentemente para assegurar o domínio da casa fraca d6, através de Cc4, etc. Mas Lasker defende-se com uma simplicidade e clareza remarcável (Spielman, Burn-Forster ).Já que esta segunda manobra de cavalo apenas leva a simplificação, ou o seu retrocesso, Khalifman-Soloviov, sugerem 13.Be2, tendo em vista um jogo activo de peças e uma pequena vantagem já que a impossibilidade negra de fazer o roque emperra um pouco o seu desenvolvimento ( Burn-Forster) [13.Be2!? Bd7 14.Ce5 Khalifman-Soloviov]
13...Cd7 14.Bb5 [14.Cc4 Bc5 15.Cd6+ Re7 16.Bxc5 Cxc5 17.e5 Bd7 O Cavalo em d6 não tem qualquer valor e a melhor formação de peões das negras torna o seu jogo superior ( Spielmann-Burn-Forster e Fine, Reinfeld)]


14...Bc7! Diagrama


Um lance de notável concepção (Fine, Reinfeld)

"É precisamente estes lances simples que mostram a precisão de relojoaria de Lasker" ( Spielmann-Burn-Forster) [14...a6 15.Bxd7+ Bxd7 16.Cxd7 Rxd7 17.Td1+ Rc8 18.Re2 Td8 19.Tb1! Spielmann]


15.Cd3?!

A admissão indirecta que o lance 13 não foi o melhor. Em vez desta jogada, Burn deveria ter simplificado o jogo, levando-o para um final de Bispos de cor contrária com 15.Cc4 ( Burn-Forster) [15.Bxd7+ Bxd7 16.Cxd7 (16.Cc4 Bc6 17.f3 Td8 com vantagem negra) 16...Rxd7 17.Td1+ Rc6 Fine,Reinfeld;
15.Cc4 recomendado por Schlechter 15...a6 16.Bxd7+ Rxd7 (16...Bxd7 17.Cd6+= Khalifman, Soloviov 17...Bxd6 18.Bxd6 Schlechter) 17.Td1+ (17.0–0–0+ Rc6 18.Cd6 f6 19.Td4 b5 20.Thd1 e5! Soltis; 17.Bd6!? Khalifman, Soloviov) 17...Rc6 18.Cd6 f6 Ligeira vantagem negra- Fine, Reinfeld]


15...a6 16.Ba4 b5 17.Bb3 Bb7


Lasker toma a iniciativa ( Burn-Forster)

18.f3 Tc8

Prevenindo o lance libertador 19.c4 que agora teria levado à perda de uma peça ( Spielmann, Forster-Burn)

19.Rd2

[19.c4?? bxc4 20.Bxc4 Ba5+ Spielmann, Fine,Reinfeld); 19.Tc1 a5 Khalifman, Soloviov]


19...a5! Diagrama


Este lance serve dois objectivos: as Pretas podem replicar a c4 com b4 e ao mesmo tempo prepara o desalojamento do bispo Branco das casas brancas da diagonal, de forma a poder-se jogar f6 e Rf7 (Soltis)


20.Tab1


As Brancas ameaçam 21.Ba4 e a escolha das Negras está limitada a 20...Ba6 ; 20...Ce5 ; 20...Bc6 (Soltis)


20...Bc6


Profilaxia. As Negras pretendem jogar Cb6 seguido de Cc4 no momento apropriado, associado a f6 e Rf7.
Os dois últimos lances procuram responder a esta ideia.(Fine, Reinfeld)

Mesmo a ideia de num futuro trocar o B Branco pelo Cavalo em c4, não agrada porque as negras ficariam com o par de Bispos e uma posição muito superior. A retirada para c2 , não traz grade satisfação ao jogo Branco ( Spielmann)

[20...Ba6 Este outro lance de Bispo parece mais promissor, já que não bloqueia a coluna c, todavia torna-se difícil continuar o plano Cb6-c4, já que ele seria contrariado com Cc5 das Brancas ( Soltis)

Khalifman, Soloviov 20...Ba6!? com a ideia de Ce5;

20...Ce5 o problema com este lance é que o mesmo é uma má escolha contra um táctico como era Amos Burn, que facilmente encontraria a variante indicada (Soltis) Lasker mostra uma paciência excepcional, Parece perder tempos enquanto não consegue colocar as suas peças nas casas ideais e assim sem dar por isso e subitamente as Negras estão posicionalmente encurraladas (Soltis) 21.Cxe5 Bxe5 22.Ba4! Bxc3+ 23.Re3 bxa4 (23...Ba6 24.Bxb5+) 24.Txb7] 21.Bc2 f6 Aqui as negras parecem passar a oportunidade de manobrar o cavalo para c4, o que também parece favorável, mas requeria a Lasker um cálculo correcto de variantes e isso não valia a pena , já com lances simples e lógicos consegue a vantagem desejada(Soltis)
[21...Cb6 22.Bc5 Cc4+ 23.Re2 f6 (23...f5 24.exf5 exf5 25.Rf2 Rf7 26.Cb2 Bd6 27.Bxd6 Cxd6 28.Thd1) 24.Bb3]


22.g3

As Brancas estão já numa situação má. A Torre de h1 não podia ficar indefinidamente amarrada à defesa do Peão h2, mas o lance do texto, ou mesmo um h3, acabam por a longo prazo enfraquecer de forma sensível o flanco de rei ( Spielmann -Burn-Forster)

As Brancas libertam a Torre de Rei da defesa do Peão h e evitam em certas variantes um xeque em f4.(Soltis)

[22.Cc5 Cb6 (22...Cxc5 23.Bxc5 Bf4+ 24.Re2; 22...Bd6! o lance que mostra que Cc5 é um erro. Depois da captura em d7, o cavalo branco fica sem casas(Soltis))

23.Bd3; 22.Bb3 Rf7 23.c4 b4 24.Bb2 Thd8 e as negras estão melhores.Khalifman e Soloviov]


22...Rf7


As Negras têm um jogo claramente superior, O peão c3 é fraco a que se soma a posição pouco favorável das peças brancas (Schlechter)

23.Re2 g5! Diagrama


Economia de esforços no jogo de ataque. A ruptura g4 é ameaçada. As Brancas vão ser forçadas a conceder mais uma fraqueza na sua posição (Spielmann, Burn-Forster)Agora que o desenvolvimento está completo, apercebemo-nos num relance do plano das negras: não é o peão f que avança, mas sim o peão g para enfraquecer o companheiro e, ou h5-h4, tendo como alvo g3(Soltis)


24.g4

agora o peão h também é uma fraqueza (Fine, Reinfeld)

[24.Cc5 Bd6 25.Cxd7 Bxa3 26.Cb6 Tb8–+ Khalifman, Soloviov]


24...h5! Diagrama



Subitamente a Torre negra pode ser eficazmente utilizadac desde a sua posição inicial. As Brancas estão perdidas (Spielmann)


25.h3 Bb8!

ameaçando outra retirada vitoriosa 26...Ba8! (27.Bb2-b4! ; 27.Rd2-Ce5!) (Soltis)


26.Bb2 Cb6 27.Cc5

[27.Ba3 Cc4 28.Bc5 era uma melhor tentativa -(Rosenthal, Burn-Forster)]


27...Be8 28.Cb3

[28.Ba3 Bd6 29.Ca4 Cxa4 30.Bxd6 Cxc3+ Soltis]

28...Cc4

Forçando a destruição do flanco de rei das Brancas, já que estão ameaçadas de Cxb2, mas também com a ameaça da desconexão das suas Torres na primeira linha.(Spielmann)

29.Bc1


[29.Ba1 Ca3 30.Tbc1 hxg4 31.fxg4 Bf4 32.Cd2 Td8 ganham, Khalifman, Soloviov 33.Bd3 Cc4 Soltis]


29...hxg4!


Lasker conduz a partida de forma interessantíssima. Não procura capturar directamente em c3, mas utiliza este peão como base operacional para outros enfraquecimentos da posição branca. Depois do lance do texto, todos os peões das Brancas estão fracos e o jogo está decidido (Spielmann)


30.fxg4 Be5! Diagrama


Excelentemente jogado. Este lance sela a vitória negra (Rosenthal)

31.Cd4

[31.Cd2 Cxd2 (não 31...Bxc3? 32.Cxc4 bxc4 33.Tb7+) 32.Bxd2 Bxc3 33.Bxc3 Txc3+-]

31...Bxd4!

E assim a debilidade de c3 acabou por ter um efeito indirecto mas fatal (Spielman)

Este lance força um final completamente ganho apesar dos Bispos de cor oposta (Soltis)

32.cxd4 Ca3 33.Bxa3 Txc2+ 34.Rd3 Txa2 35.Bd6 b4


completamente irrelevante os Bispos de cor contrária face aos Peões passados negros.(Spielmann)

36.Tbc1 Bb5+ 37.Re3 Rg6

[era possível, mas oferecia mais resistência às Brancas. Precisão de Lasker! (Soltis) 37...Txh3+ 38.Txh3 Ta3+ 39.Rf2 Txh3 40.Tc7+ Rg6 41.Bf8 Th7 'ganham (Spielmann)
42.Txh7
]

38.Tc5

[38.Tc7 Txh3+ 39.Txh3 Ta3+ 40.Rf2 Txh3 41.Bf8 Th7 ganham (Spielmann)]


38...Ta3+




[38...Bf1! ganhava rapidamente. Khalifman, Soloviev]


39.Rf2 Bd3 40.Te1



[40.e5 f5 41.gxf5+ Rxf5–+ Khalifman, Soloviev]


40...Txh3 41.Tc7



[41.Bg3 Ta2+]

41...Ta2+ 42.Rg1 Th4 43.e5


[43.Bg3 Txg4 44.Te3 Bxe4 Khalifman, Soloviov]


43...Txg4+ 44.Rh1 Be4+


Embora Burn não tenha jogado a partida ao seu melhor, a mrestria de Lasker foi esplêndida. Com toda a certeza, nenhum outro Mestre conseguiria explorar a pequena vantagem obtida na abertura de uma forma tão brilhante e convincente. (Spielmann) 0–1

Tradução minha de diversos livros citados na bibliografia sobre Lasker em Post anterior nomeadamente os livros de Fine-Reinfeld, de Khalifman-Soloviov, a que junto o magnífico " Amos Burn" de Richard Forster da Mc Farland





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