XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

16/01/16

RUI ALMEIDA

                                          (foto generosamente "roubada" ao site da FPX)



Não te zangues Rui, porque isto do Xadrez Memória, nem sequer é lido.


“ Eu vinha para a vida e dão-me dias” Ruy Belo, Homem de palavras



Rápido e rude como quem é atacado de garras na garganta.

Neste sudário de tristes dias, a dispensável notícia em amargos olhos de minutos.

Foi para mim proibido amanhecer.

Aqui no quase único café da minha adolescência onde ainda penso, escrevo, sonho, choro, longe da “gunagem” citadina que me estala os nervos, longe dessa praga turisteira que me faz odiar a minha cidade, penso-te Rui. Aqui, onde ainda consigo lamber as minhas feridas do dia, misturando-as com o sal amargo das horas, recordo-te.

Era escusado, Rui, perfeitamente escusado, Rui Almeida a tua partida. Assim não , assim não! Já lá estava no reino de Caissa gente que chegava para um “fechado” de categoria de ternura e, agora tu!? Assim não Rui, assim começa a existir gente xadrezista portuguesa suficiente para um “Aberto” ! Vai para muitos anos foi o Rui Marques, depois o Torcato, o Mesquita, o Carlos Quaresma, o Mamede, o Parcerias, o Durão, e outros de esquecimento e agora Tu!? Gente a mais!

Matrona, cada vez mais invejosa, demasiado portuguesa está a ficar Caissa.

Procurei noite adentro retrato teu na memória fria de discos rígidos, mas não encontrei. Só megas de memória cá dentro da tua pessoa. Teve que ser a foto da FPX. Prova provada que não gostavas de te expor, de te mostrar, de aparecer. Desde miúdo que acho que eras assim. Lembras-te ainda miúdo quando te conheci no Torneio do do Viana Taurino ? Tantos anos Rui! Miúdo, “chavalito” ainda, acanhado, tímido, era o teu pai que falava por ti. Mais tarde, em sala de torneio, numa ou outra partida que contigo joguei e perdi, sempre essa reserva, essa calada maneira de ser, essa calma em azul que te distinguia da verborreia estafada de muita gente do xadrez, ou dos fala-barato de variantes e subvariantes, ou mesmo dos ignorantes do xadrez que eram os maiores da sua rua quando não estava lá ninguém!

Gravei-te assim, impressões digitais da minha memória. Jogavas xadrez e bem, ficaste naquele número fatal do Elo da passagem dos 200 para os 300, porque isto é Portugal e porque pressinto que isso nunca foi tua preocupação. Amavas demasiado o Xadrez para perceberes que talvez atrás do tabuleiro da competição, haveria um outro d’amor d’Ele. Deixaste de competir, de aparecer nos salões de grandeza de coisa nenhuma, começaste outra vida de dádiva, de ensino, de um outro xadrez. Nunca deixaste de amar a coisa amada, disso tenho a certeza.

Poucas palavras trocamos ao longo dos anos, dos nossos encontros no tabuleiro, ou em sala de torneio, todavia as que sussurramos foram sempre de voz doce, generosa, suave, delicada da tua parte. Rui, convenço-me que eras mesmo assim. E sabias de xadrez, mesmo muito de xadrez, para além do repositório bacoco e mirrado de variantes e mais variantes, mas sim do Xadrez, da cultura do xadrez, que como sabias, não era apanágio de muito “rambo” do tabuleiro.

Assim, partiste. Eu para aqui como imagem de remo fixo em águas paradas. Reflexos da imagem de ti, nas peças Staunton, no tabuleiro verde e branco que as suportam, imagem desse teu rosto de miúdo que nunca perdeste, dessa face de “putti” deslumbrada pelo bruxedo do xadrez como a percepcionei em Viana, vai para muitos anos.

Foste, mas recuso aceitar a perda, mesmo que seja pela persistência da errância luminosa de curtas imagens e fugidios pensamentos. Ao escrever-te, vou perdendo um vazio que nunca o foi porque alguma coisa sempre esteve cá.

Já agora, avisa a velha e invejosa matrona Caissa que não comece o “Aberto” sem mim!

Abraço fortíssimo. Ah! Havemos de resolver um dia esse problema do 1.e4-ç6 2.ç4 com que me ganhaste numa noite fria e chuvosa na sala da Escola Profissional de Gaia. Hoje talvez não jogasse o g6 ! O que achas!? Para de rir com esse rosto suavemente gaiato, Rui! Afinal quase 20 anos de diferença merecem respeito, ou não?