XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

18/04/14

XADREZ, CINEMA, QUEM QUISER...responda

Aí está outro dos meus "enigmas"- brincadeiras que de vez em quando costumo fazer no Xadrez Memória para os entendidos de cinema e nos filmes em que o xadrez aparece como pano de fundo, cenário, ou trama mesmo do filme. Neste blogue já coloquei alguns, e nem muito, pouco, ou nada entendidos responderam. Claro que o que coloquei não era nada, nada fácil, porque muito longe do comum em sites de xadrez com referências ao cinema. Não que os filmes e realizadores não fossem de renome, mas sim porque em relação ao xadrez-cinema, os sites, blogues de xadrez estão cheio de lugares-comuns, de imagens dos mesmos filmes, das mesmas referências. Já chateia.
Hoje, algumas imagens de um belíssimo filme que não digo. O Jogo de xadrez aparece em duas cenas por alguns minutos. Se conhecerem o ator (res) chegarão lá, se tiverem um bocadinho de conhecimento de história das peças de xadrez, também poderão " levar a carta a Matilde!", se não conhecerem, não é nada fácil e na Net são quase inexistentes estas imagens do filme com referência ao xadrez.
Assim, a que filme corresponderão estas imagens? 









13/04/14

OFERENDA - Fernandes Jorge, Jorge Pinheiro e mais...

E só no fim xadrez como transfiguração...

Um livro que é uma pérola de concepção, de edição, de amor pelo livro. Só o podia ser com o desvelo e categoria  desse grande editor-livreiro portuense que é o José Cruz dos Santos e a sua "Modo de Ler". Desde a Editorial Inova passando pelo Oiro do Dia, que a cultura, a sensibilidade, o bom gosto e o amor aos livros em geral e à literatura e edição em particular de José Cruz dos Santos é reconhecida nos meios de uma certa cultura portuense ( não aquela de fachada, festivaleira, parola, entre o pseudo intelectual pimba jovem e o senil-patético turístico modo de se ser). 

Um prazer e uma aprendizagem constante com este Homem, sempre que com ele me cruzo em conversas de livros e literatura no seu refúgio de Guilherme Gomes Fernandes. Foi ele que mo sugeriu. E que sugestão! Um livro magnífico com reproduções lindíssimas de pinturas (35) de Jorge Pinheiro e reflexões poéticas de João Miguel Fernandes Jorge sobre essas mesmas pinturas. Nem sempre um grande pintor e um grande poeta dão um bom livro,  neste caso deram, não bom , mas um livro maravilhoso estética e poeticamente falando.
Publicado em 2012, de edição limitada, dedicado à memória de Eugénio de Andrade e de Ângelo de Sousa, guardo-o como tesouro num jardim-canto da minha biblioteca onde só eu sei.

No poema XVIII, Inspirado no álbum " Quinze ensaios sobre um tema ou Pitágoras jogando xadrez com Marcel Duchamp" (1970-74), J.M.F. Jorge reflete sobre o tempo, os corpos reais e abstratos, sobre a transfiguração do xadrez como expressão do silêncio, do momento.





Jorge Pinheiro




XVIII
Gotas de sangue e o esperma de
um deus mutilado por Cronos pontuam o
firmamento e caem sob o
harmónico som dos astros

passam os dias e as noites - o
medidor no visível das unidades corpóreas
e logo abstractas

*

Junto à mesa branca sentaram-
-se no jardim, vindo dos mortos, ao calor das
horas - as figuras ardiam no fulgor do verão
e sobre o homem de Samos e o de Blainville
movia-se o ramo da bétula negra

 sem suor e sem voz
 o rei e a rainha o bispo o cavalo e logo o
peão eram coisas sensíveis, de pórfiro
verde

jogadas pelo bater do sufocante meio-dia -
    sobre eles o silêncio de um ramo, causador de todas
 as coisas.


João Miguel Fernandes Jorge

09/04/14

XADREZ, SURREALISMO, LITERATURA, MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA

Um dos grandes nomes do surrealismo português. Injusta e estupidamente esquecido. Muitos dos seus contos nada, mas mesmo nada inferiores ao vate Herberto Helder ( claro, claro, sou blasfemo). Os seus livros começam a rarear, mesmo em alfarrabistas, principalmente os "Contos do Gin Tónico"  e os "Novos Contos do Gin ". De um humor fino, mordaz, de uma agudeza desconcertante, de uma forma de riso que se transforma em sorriso desmaiado para burgueses anafados, idiotas militantes, ou amantes de badalhoca e triste stand-up comedy de muito e triste e badalhoco pseudo humorista nacional, os Contos de Mário Henrique Leiria estão e se não estão ainda, hão-de estar entre jóias cimeiras da literatura portuguesa. 
Dois desses contos referem indiretamente o xadrez. E que contos! Apreciem. E, se não perceberem, paciência, que isto não é propriamente revista do Sá da Bandeira ou Parque Mayer. Temos pena!




XEQUE-MATE

   _ Vai um judeu num comboio...

- Essa já conheço. Nem calcula como conheço as de judeus! Todas.


Então o meu vizinho mudou logo para as de escoceses.

Eram esplêndidas.


Aquilo acontecera na oferta de um cigarro public-relations, enquanto íamos a caminho de ainda outra cidade. Como o compartimento não tinha mais ninguém, a relação sociável dera-se inevitavelmente.
Expansivo e muito viajado, ao que parecia, contou-me tudo, excepto o que não contou, claro. Depois foi a ternura amiga, com anedotas a chegar em sucessão rápida.

 Acabaram os escoceses. Realmente óptimos.


- Joga xadrez?


- às vezes, com dúvidas.


- Não faz mal. A dúvida é o que nos ensina. Se quiser...

—e puxou do tabuleirinho portátil, encadernado em couro autêntico, próprio para todas as viagens.


Quis, não tive outro remédio.


Passaram pelo corredor a tocar sino. Jantar. Primeira série.


Deu-me uma certa fome, mas tinha que aguentar um bispo que se preparava para me roubar   o cavalo e sabe-se lá que mais.


Estava o meu vizinho explicando as excelências do xadrez, a sua história e os seus santos, enquanto jogava mais uma torre inesperada, quando rugiu a segunda série pelos espaços pasmosos do corredor.


Quanto a mim, não tinha mais nada a perder. Fora-se tudo. Possuía o rei escondido a um canto, dois peões apavorados e, perdido na incerteza, o último bispo envergonhado. Cedi, logo ali.


O sorriso do meu vizinho eficiente foi magnífico.

- Agora um jantarzinho, ein!

Pois claro. Lá fomos, atravessando ao contrário o caminho feito, até chegarmos às mesas  trepidantes. 
Comida de Ia reverendíssima patada, diria Juanito de Cuernavaca, se estivéssemos em Cuernavaca com Juanito.
 
Entre a sopa e a parede ouvi tudo. Tudo o que faltava.


Café, conhaque e voltámos, a oscilar.


Já não faltava mais nada.


Logo ao lado da discreta privada das carruagens em viagem, há uma porta de emergência como sabem, fácil, é só levantar a alavanca. São as emergências das viagens que a puseram ali. Levantei a alavanca e deu-me um desequilíbrio de ombro muito súbito auxiliado com um jeito de perna. O meu vizinho estava a explicar como se devem resolver os problemas da deliquência pré-juvenil.


O resto da explicação hei-de perguntar um dia destes à Erika que sabe tudo de kindergarten, de deliquências e ainda mais coisas.


Vai um judeu num comboio... lembrei-me de repente da história toda. É bem divertida, gostava de lhes contar, se tivesse tempo.                                              
                                                                




JANTAR DE AMIGOS


- A. vida é um problema complicado — decretou Armindo o corrector, enquanto cortava com precisão mais um pedaço do rosbife à sua frente. A !uz discretamente tamisada do QUATRO ASES fazia realçar a transparência do vinho no copo alto, junto ao prato.

- Não mais complicado do que qualquer outro—retorquiu Guiihermino o xadrezista que, no !ado oposto da mesa, se limitava a um puré de legumes e queijo de soja. Era vegetariano. E também Grande Mestre.


- Desculpem-me a interrupção — permitiu-se dizer o maître com uma leve inclinação, aparecendo junto à mesa. - Mas creio dever informar os senhores que, por um engano inesperado, o chefe da cozinha deitou no rosbife a estricnina que tínhamos para usar nas ratoeiras. É lamentável. Podem crer que a casa está sinceramente penalizada com o acontecimento. -  Com um sorriso discreto e compreensivo, retirou-se deslizando e desapareceu entre o ruído animado da sala.


Armindo estremeceu contra vontade. O rosto mudou-lhe um pouco. Para verde. E arrotou. Então teve um movimento em que parecia retorcer-se e começou a inclinar-se para o prato.


- Realmente não mais complicado do que qualquer outro — insistiu Guilhermino, enquanto desviava o copo para que o corrector não lhe acertasse com a cabeça. Levou à boca um pouco mais de puré de legumes. Com prazer.


- Queiram desculpar-me ainda mais esta interrupção — disse o 'maître', reaparecendo-lhes ao lado e inclinando-se levemente. — Parece-me ser de minha obrigação informar os senhores que, por engano realmente impróprio, o chefe da cozinha deitou no puré de legumes o arsénico que estava destinado aos cães vadios. Permito-me afirmar que a casa lamenta e que isto não voltará a acontecer tão cedo. — Com o sorriso discreto retirou-se, deslizando até desaparecer entre as mesas murmurantes.


Guilhermino o xadrezista ficou a olhar o espaço. Apenas a imaginar como conseguiria, só com um copo, o paliteiro e o saleiro, dar xeque à garrafa de Armindo o corrector. Então sentiu a dor que, fulgurante, lhe subia dos intestinos.


Pelo chão alcatifado começavam a estrebuchar clientes.

(Este conto maravilhoso de MHL dedico-o aos muitos Guilherminos do Xadrez nacional e internacional, sejam jogadores, dirigentes, e outros  "inos" que tais) A. V


07/04/14

XADREZ, RESISTÊNCIA, TERAPIA

Um lado do xadrez muito pouco conhecido. A Resistência na adversidade, a Terapêutica na dor ou agústia  (talvez no futuro escreva mais sobre este assunto - só eu sei como o xadrez, o lado evasivo e terapêutico do xadrez me ajudou em determinada fase da minha vida). 
Conhecia-os desse formidável documentário da Susana de Sousa Dias "48" sobre a PIDE e os seus métodos de atuação ( inacreditavelmente ou não, e a meu conhecimento, o único sério e a sério sobre a polícia política do Estado Novo-inacreditável este meu pobre Portugal do esquecimento!), sabia-os companheiros de luta e de vida, por isso não me surpreendi com os seus depoimentos na Revista do Público do dia 6 de Abril. O que desconhecia era as referências ao Xadrez de Domingos Abrantes. Leiam. Quem seria o campeão húngaro? Portisch? Bilek, Barcza, Csom, Adórjan, Sax?


Domingos Abrantes e Conceição Matos Entrevista Público-Revista 6 Abril 2014

Também ocupava o tempo jogando xadrez. Era um exercício de inteligência ou um entretém?

DOMINGOS — Eu era um grande apaixonado pelo xadrez. Aprendi a jogar em Caxias. Deixei de jogar xadrez porque perdia muito tempo. O meu futuro não era jogar xadrez. Um dia fui à Hungria passar férias.
CONCEIÇÃO — Fomos.
DOMINGOS — Apareceu no hotel o campeão da Hungria a fazer umas simultâneas. E eu ganhei!
CONCEIÇÃO — Não digas isso na entrevista.
DOMINGOS — Foi uma bomba. O campeão mandou-me uns emissários, queria a desforra. Nunca mais me largaram. [gargalhada] Lá se foi a glória! Nunca mais lhe ganhei.

Quais são as características que o xadrez exige?
DOMINGOS — Ponderação, sobretudo.