Participante em vários Nacionais de Juniores, em preliminares de Nacionais Absolutos, e apenas num Campeonato Absoluto, posso afirmar que de toda a minha carreira xadrezística de 37 anos de xadrez, sem dúvida o Nacional Absoluto de 1978, marcou-me de uma forma indelével. Não foi por ser um absoluto, não foi pela minha classificação, 12º e último lugar, não foi pela excepcional qualidade das instalações, ou material de jogo (jogou-se na Escola Preparatória de S. João da Madeira em salas de aulas adaptadas e com uma das primeiras versões das malfadadas, anémicas e horrorosas peças plásticas da FPX), ou mesmo do Hotel de instalação ( que não existiu, mas simplesmente uma “pensão-residencial”, por sinal bem humilde e simpática).
Então, o que foi tão forte que passados 31 anos passados tenha gravado a buril no meu lado bom do coração esta competição?
É-me difícil explicar este turbilhão de lembranças, este calcorrear pela memória afectiva e boa das coisas xadrezistas, porque como diz a canção, uma das mais extraordinárias da música portuguesa, deveria ter a sensatez de nunca voltar ao lugar “onde já foste feliz/por muito que o coração diga/não faças o que ele diz”; “ por grande tentação/que te crie a saudade/não mates a recordação/que lembra a felicidade” . Mas não, claramente não devo possuir a sensatez adequada! Um nostálgico incorrigível, sem remissão, mesmo que seja em legítima defesa.
Assim, um simples Campeonato Nacional Absoluto, jogado a partir da 2ª semana de Setembro em S. João da Madeira. E a questão que não me abandona, desde que decidi escrever este artigo, é a seguinte: seria possível hoje ter numa competição deste calibre, o ambiente, o clima, o grau de quase fraternidade, de “irmandade xadrezista” que se gerou nesse ido ano de 1978? Estou a exagerar? Isso não é possível numa competição de xadrez e logo pelo título máximo, ainda por cima num jogo claramente de cariz individualista. E então a mitologia associada aos jogadores de xadrez, ás suas excentricidades, aos seus particularismos, aos seus “desert islands” quadriculados onde gostam de se espraiar? Seria possível quase durante 15 dias, jogadores de xadrez empenhados numa mesma competição, jogar xadrez, mas ao mesmo tempo conviverem extra tabuleiro aplacando as suas idiossincrasias, aprendendo e reaprendendo a arte do diálogo, do jogo a feijões, da boa mesa? Não seria, foi!
Antes de tudo, uma organização, para a qual ainda hoje não encontro palavras adequadas para a classificar. Do que encontrei de melhor ao longo da minha vida xadrezista. Amadores de um profissionalismo, de uma dedicação de uma simpatia, e sobretudo animados de um espírito de Caissa como poucos! O pessoal da Secção de Xadrez do Clube de Campismo de S. João da Madeira, foi simplesmente “xadrezial”, um mistura óbvia de xadrez e bestial. Com medo de me esquecer de alguém e socorrendo-me do “vade-mécum” (o boletim,) aí vai a minha sentida ternura e lembrança, já algo esfumada para o J. Pinho, A. Pinho, F. Pinho, o Lima, o Esteves, o Amorim, o F. Duarte, o J. António, a Marina Graça. Que gente fabulosa!
Chegaram até aqui? Leram bem? Então, não se surpreendam, quando no dia 24 de Setembro de 1978, TODOS os jogadores e o Zé Oliveira, o árbitro do Campeonato, assinaram e forçaram a organização a inserir no seu boletim:
“OS JOGADORES PARTICIPANTES NESTE EXCELENTE XXXIV CAMPEONATO NACIONAL INDIVIDUAL DE XADREZ, CONGRATULAM-SE PELA DINÂMICA E ORGANIZAÇÃO DO MESMO, LEVADA A CABO PELOS LABORIOSOS ELEMENTOS DO CLUBE DE CAMPISMO DE S. J. MADEIRA, ESPERANDO QUE TAL INICIATIVA SEJA UM TRAMPOLIM PARA FUTURAS REALIZAÇÕES TÃO BRILHANTES COMO ESTAS”
Orgulho-me de ter sido juntamente com o Rui Silva Pereira e o Fernando Sequeira, um dos promotores desta iniciativa, bem como o “soprador” de serviço para algumas palavras do texto. Mas leram bem? Eles não queriam colocar no boletim, e só pela ameaça de deixar a sede do Clube de Campismo, numa barraca de acampamento é que os “artistas” publicaram e mesmo assim com: “ POR INSISTÊNCIA DOS JOGADORES O Pirilampo transcreve ( hei-de explicar esse trabalho inacreditável de azáfama, de amor ao xadrez que foi o Pirilampo...).
O Rui Silva Pereira na sua maravilhosa e humorada forma de escrever, (e por onde andará este excelente jogador,dos mais educados, corteses e simpáticos que encontrei no tabuleiro?) não teve problemas em afirmar na Revista Portuguesa de Xadrez, nº 19, II série de Outubro de 1978 , com o subtítulo de “ OS RAPAZES ( E RAPARIGAS) DO TRAPÉZIO VOADOR” :
“Quando falámos de revelação, poderá o leitor ter pensado em António Ferreira. Não nos referíamos no entanto a qualquer jogador, nem o experiente árbitro José Oliveira poderia constituir mais que uma confirmação. Revelação foi a excelente organização deste campeonato por parte do Clube de Campismo de S. João da Madeira. Contra aqueles que de início afirmaram que "estes rapazes esmeram-se, mas não têm experiência de organização", surgiu-nos a máquina impecável, de eficiência levada ao pormenor. O abaixo-assinado dos jogadores e árbitro, elogiando a organização, não traduz nem poderia traduzir completamente a qualidade organizativa do torneio. Foi inultrapassável no aspecto técnico, e ainda mais, se possível, no aspecto humano. Os perigos, os exercícios de equilíbrio necessários para contentar um grupo de pessoas tão susceptíveis e instáveis como o dos jogadores, assim como uma conhecida canção que andou na berra durante o Torneio, justificam o subtítulo. (Estamos certos que esta "troupe" é a melhor equipa de organização do país. A única coisa menos perfeita no torneio é que incompreensivelmente fomos obrigados a jogar xadrez certo que alguns conseguiram ultrapassar esse contratempo em algumas sessões, seria preferível que para a próxima essa ridícula formalidade não fosse burocraticamente exigida).Chamamos à atenção para o anúncio aqui publicado (de organização de torneios). Àqueles que possam achar os preços demasiado altos, garantimos que são uma autêntica pechincha. É como comprar uma genuína rede de trapezista por cem paus!”
O próprio árbitro, o José Oliveira (grande, grande arbitragem , num misto de luva de afago numa mão, e usado a preceito, “pau de marmeleiro” na outra) escreveu na mesma revista:
“Quem teve o privilégio de acompanhar este XXXI V Campeonato Nacional Individual cometeria grave injustiça se deixasse de referir que a organização ultrapassou em muito aquilo a que estamos habituados. A montagem da sala de jogo e dos serviços de informação e propaganda de vendas de material didáctico e de bar esteve impecável. As actividades paralelas (ensino de xadrez, encontro com o GM Tseshkovsky, simultâneas e torneio de rápidas, este organizado em colaboração com a A-X-Aveiro) tiveram o mérito de atrair muitos antigos e novos praticantes. Finalmente, o apoio que em todas as circunstâncias foi prestado aos jogadores e árbitro, e o excelente convívio que constitui nota dominante desta iniciativa são dignos dos maiores aplausos. Por tudo isto estão de parabéns os vinte e muitos elementos do Clube de Campismo de S. João da Madeira que tornaram possível o Campeonato. No fim da prova, os participantes remeteram à organização um voto de louvor pelo trabalho realizado. “
Assim uma organização esmerada que mereceu o louvor de todos, e que ainda se deu ao luxo de usar da ironia, do humor, de humilde e sadiamente brincar com as laudas que lhes demos, com a publicação de um anúncio hilariante (o mesmo a que se refere o Rui Silva Pereira) que abaixo publico.
Uma organização, que começou um Nacional com uma reunião com todos os jogadores, disponibilizando-se a todos os esclarecimentos e aceitando sugestões. Uma organização que não teve qualquer problema depois de consultar os jogadores e estes concordarem por unanimidade, em autorizar quando isso fosse necessário, o 2º adiamento na Vila da Feira onde estavam hospedados a maioria dos jogadores, conseguindo para isso a cedência de uma sala do Orfeão da Vila da Feira. Uma organização que nos brindou com jantaradas pantagruélicas, que à noite abria as portas da Sede do Clube de Campismo de S. J Madeira, onde entre carradas de rápidas, de jogos de cartas acirrados, ainda havia tempo para com um tabuleiro pela frente, ambos os jogadores que se tinham defrontado horas antes, analisarem em conjunto a sua partida, perante a caneta lampeira de alguém da organização, que anotava essas análises, para certamente noite dentro, e máquina de escrever ritmada, publicar as partidas do dia, algumas comentadas, nesse “órgão do comité dos amantes do xadrez” que era “ O PIRILAMPO” . Não, não era o tempo dos FTITZ, RYBKA depois das partidas, era o tempo do mexer nas pecinhas de plástico de colocar umas frases ou variantes sacadas à pressa, e a fita matraqueada da máquina de escrever a sulcar papel para memória futura. Até o António Fernandes ainda jovem mancebo se iniciou no Jornalismo de Xadrez, quando pouco dado a cartadas e bebidas era cooptado para detectar gralhas no boletim do Torneio!
Uma organização que conseguiu a par do Campeonato, organizar simultâneas com Jaime Gilbert, Vladimiro Miranda e Jorge Liberato, que conseguiu trazer embora por horas, um dos melhores jogadores mundiais à altura, Vitaly Tseshkovsky, a S. J. Da Madeira, e com quem tive o prazer de ser trucidado para aí umas 12 vezes no mínimo ( tinha perdido com o Ochoa, em 16 lances e, o GM, achou piada jogar com um “meco” jogador do Nacional –Ele sempre com 3 minutos contra os 5 meus; aproveitei, enquanto a fila dos consagrados não foi crescendo para serem trucidados à mesma!).
Um aparte sobre Tseshkovsky: Esteve para aí 6 horas em S. João da Madeira, joguei com ele rápidas, estive na mesma mesa do Restaurante onde jantou antes de ir para Lisboa e praticamente não lhe ouvi uma palavra! Sempre sério, sempre com aqueles olhos fixos em grossos e enormes aros de tartaruga, raramente se observava um esgar no seu rosto! Uma esfinge! Nas partidas rápidas jogadas comigo, um hábito curioso: jogava com uma rapidez inacreditável, mas com uma calma impressionante e colocando as peças mesmo no centro dos quadrados do tabuleiro. Outro ainda e para minha surpresa: depois de cada partida ganha, gostava de pegar nas minhas peças de derrotado e colocá-las rapidamente nas posições iniciais, quase como a sugerir-me: “mais uma, vamos a outra que esta não teve piada”. Durante as rápidas não olhava uma vez para o adversário, os seus olhos mexiam-se a uma velocidade incrível esquerda-direita, direita-esquerda, piscando-os sucessivamente: pareciam olhos de ave de rapina! Nas rápidas com o saudoso Sílvio Santos, este a tentar aplicar ao GM, o mesmo truque que gostava de fazer nas rápidas amistosas: derrubar umas pecitas, no tempo do adversário, para ganhar um tempito, enquanto este as compunha, ou mesmo as apanhava: puro deleite o que vi: Sempre que o Sílvio fazia “a graça” o Tseshkovsky com uma rapidez assombrosa, pegava no relógio, puxava-o para o seu lado, parava-o, e sem uma palavra esticava o dedo para o tabuleiro, indicando ao meu saudoso companheiro, que tinha que pôr a posição como ela estava antes do “desastre”! Vi isto no mínimo três vezes e era engraçadíssimo ver o Sílvio aos papéis, a colocar as peças no lugar onde estavam, e a mão sapuda do GM a corrigir um peão, ou uma peça! Só depois o relógio “roubado” voltava ao lado do tabuleiro. Como partilhava com ele o quarto na residencial, o que gozei o Sílvio, só podem imaginar. Sorte minha que o Sílvio era uma jóia de um rapaz e estava tão fascinado como eu com a força de jogo e capacidade de visão do Vitaly.
Uma organização que até pôs os jogadores a jogar com os pés, ou com outras peças desportivas que não as de xadrez. Eles bem “ameaçaram” no dia anterior ao descanso: “
Aproveitando o dia de descanso deste Campeonato Nacional de Xadrez, foi estabelecido m programa em que se exclui (será?) o Xadrez, mas por outro lado será aproveitado para fazer actividades dentro dum vasto leque. Assim, cerca das 10h50 da manha, jogadores, árbitro e organizadores do Torneio deslocar-se-ão para a praia do Furadouro, onde se praticará um pouco de ténis e voleibol nos respectivos recintos existentes no Parque de Campismo do C.C.S.J.M. e ainda natação em pleno oceano. Alem do referido, e que está a atrair mais as atenções gerais, é um desafio de futebol entre os elementos da organização e os titulares do xadrez. À hora de encerrarmos o PIRILAMPO tentamos saber as respectivas formações de equipe, mas estas mantêm-se nos “Segredos dos Deuses»., os TÉCNICOS lá saberão.., Enquadrado neste dia de descanso, teremos ainda, e como não poderia deixar do ser, um almoço com toda a gente, onde os visitantes poderão saborear a famosa caldeirada e o afamado VERDE da região!! (bom lance? comentário da responsabilidade dos redactores). Julgamos que ainda será possível assistir a una sessão de música já que alguns dos jogadores demonstraram ter queda...-"
Um grande encontro entre os Jogadores de Xadrez e a Organização, do qual só não gostei do resultado, porque perdemos 11-7. Bem remei contra a maré, empunhando a batuta de ter treinado quando miúdo no Boavista no velhinho Estádio do Lima com Joaquim Meirim e o sr. Garcia, usando também alguma acutilância e “bocas” quanto bastasse para empertigar os colegas e enervar os adversários, sem sucesso! Impossível! Imaginam o António Ferreira com aquele porte atlético à baliza? Não ? Eu também não! Já viram, tirando alguns jogadores do Benfica, rematar com o pé que tem mais à mão? Não? Eu vi o Ochoa, que não acertava um chuto! Podem pensar sequer no Rui Silva Pereira que jogava em bicos de pés, a saltar, ou a dar uma peitaça no adversário? Nem eu! Aquilo era um passador, defesa “moulinex”! Acreditam que o Luís Santos, que até dava um jeito no futebol, andava fascinado com o Borg, vai daí encafua-se no Ténis, e só quando já estávamos enterrados, é que resolveu apiedar-se dos colegas, sair da condição de suplente, por “estouro físico”, e marcar um golo à Maradona? E o José Oliveira, que em vez de jogar a bola, sentia mais apetência para a arbitragem, e como não lhe deram apito, amuou: Assim, só eu, o Sequeira e o Fernandes, a jogar futebol de luxo! Mas 3 contra 7 da organização, vá lá, 6, porque o J. Pinho, era mais do estilo “ponta quieta”, era impossível fazer melhor! Ah! No fim do encontro, quando o banho apetecia, alguém reparou que...não existia sabonete! Nem se sentiu o cheiro, porque os odores foram todos para uma caldeirada divinal, regada a Verde que colocou o Martinho a “fadunchar”, enquanto outros mostravam que entre o piar , o grasnar, e o cacarejar, não existe tanta diferença assim. Felizmente que uma volta pela Ria, veio serenar gargantas e aligeirar vapores.
Assim um Nacional com um convívio franco, um espírito de grupo, como raramente encontrei em competições de xadrez. Um Nacional que até poderia ter começado “torcido”, quando salvo erro, o Durão, o F. Silva, o Luís Santos e o Ochoa chegaram atrasados à Vila da Feira e a estalagem onde estávamos hospedados, não tinha quartos disponíveis. Foi um chinfrim incrível, com o Fernando Silva a exibir pergaminhos de ser o Campeão Nacional e ter direito a suite real, o Durão como decano, a vociferar que “a velhice era um posto”, e eu feito “camelo” solícito a pegar na mala do Fernando Silva, que parecia trazer grossas vigas de ferro da Siderurgia Nacional, mas que depois vim a descobrir serem livros de xadrez, nomeadamente os Informadores! Mais de 20m naquela balbúrdia e, o cansaço e um sorteio, vieram aplacar ânimos, apesar de os rostos se manterem fechados. Era o que havia: ou arranjem-se, ou por esta noite tem de ser assim! E foi! O Durão e o Luís Santos ficaram num quarto que reservado, dado o adiantado da hora, não deveria ser reclamado, o Ochoa, ficou com uma cama articulada numas espécie de arrecadação de arrumos e o Fernando Silva, dormiu no quarto de um dos criados (e não na cama com o criado, como escreveu no gozo o Zé Oliveira na revista da FPX, até porque se fosse a criada, eu cederia de bom grado o meu quarto ao Fernando Silva, juro!).
Não , caros leitores, nada disto é invenção. Aconteceu mesmo! E no dia seguinte. tudo se resolveu a contento de todos .
Um Nacional, onde um grupo de “jovens guerrilheiros” gostava de atacar a janela do quarto do Durão com bolas de papel higiénico ensopadas, estragando-lhes os cálculos complicadíssimos do Totobola, no exacto momento em que ele sonhava, agora é que vou ser rico! Um Nacional em que os meus camaradas guerrilheiros, se deixaram comprar ou seduzir pelo Mestre Durão e se preparavam para num complot quase generalizado, a coberto do sono, me cortar um apêndice que era a minha “trademark” desde a adolescência: ( Ah! Ah! malandrice...) o meu querido, amado e bem tratado bigode! Não imaginavam eles porém a minha rede de informadores naquela estalagem, e a minha argúcia de menino da Sé do Porto! Consegui esconder uma pequena tesoura arma do crime, pertencente ao Durão e ameaçar de insónia perpétua quem ousasse tocar na minha sagrada relíquia! Aliás de bigodes-relíquias, só o meu e o do Fernando Silva. Não queiram saber o que foi a nossa partida, depois de ambos cofiarmos as respectivas bigodaças, que era vício arreigado em quem possuía o apêndice: eram tantos pelos de bigode como peças de xadrez nos quadrados do tabuleiro!
Um Nacional, onde percebi a enorme cultura xadrezística do F. Silva, onde entendi a diferença abismal entre o pessoal de Lisboa, e o do Porto, no que dizia respeito à forma de levar o xadrez de competição a sério, no estudo do Xadrez, na preparação teórica! Contra tudo o que se diz, tive a felicidade de ver a organização de trabalho do Joaquim Durão, como ele tinha os artigos teóricos da Europa Échecs ou Jaque, todos policopiados, ordenados em pastas por aberturas, ou como escrevia anotações, ou como marcava livros e Informadores! Tive a grata surpresa de ver o Renato Pereira, não ter qualquer problema em mostrar-me revistas teóricas alemãs, salvo erro da Schach-Echo, ou durante mais de uma hora analisar comigo a Benoni. Foi um regalo puder analisar a partida com o Fernando Silva, e ver a sua satisfação por um jovem jogador se interessar por uma sua partida recente que ele tinha vencido brilhantemente em Cuba, contra Carrion. Pude constar mais uma vez, alguns dos belíssimos livros que tinha o Fernando Sequeira, ou como o António Ferreira já tratava a Enciclopédia por tu, de tal forma que Apanhou o F. Silva numa variante lateral da Siciliana, na partida que disputaram. Foi agradável constatar a humildade do Rui Silva Pereira, ao reconhecer no nosso empate que estava bem pior posicionalmente, ou ver como o Sílvio Santos aceitou, primeiro renitente, depois, conformado a punição de dez minutos no relógio aplicada pelo José Oliveira, simplesmente porque em plena partida e aprontando-se os apuros de tempo, resolveu encetar “alegre cavaqueira” com o António Fernandes. Ri-me até às lágrimas, quando um dia o Renato Pereira, resolveu imitar o Durão, o Luís Santos (o Renato a imitar o Luís Santos a apartar o cabelo, quase que me fez urinar!), o Jaime Gilbert ( igualzinho!), ou o Mestre António Rocha! Talento extraordinário de alguém com apurado sentido de observação! Quando o Renato pediu para alguém imitar a sua pessoa,, ninguém ousou , claro! E eu, ali, com livros do Pachman , do Pedro Cherta, e do Euwe, e com algumas fotocópias da Europe-Échecs de artigos do Zinser e do Gligoric!? Como sobreviver competitivamente aquelas “trutas” ? Mas também o que interessava isso?
Soube aproveitar esse Nacional e “sacar” dele, o que dele não pensava extrair: humanidade, gosto pelo convívio do xadrez, contacto com pessoas que respeitava imenso como jogadores, sem os conhecer pessoalmente, casos do Durão, do Fernando Silva , do Renato, e que ainda hoje respeito! Conheci gente de uma simpatia maravilhosa como foi o caso do Rui Silva Pereira, ou o Martinho Lopes, e pessoas que ou desinteressadamente amavam o Xadrez, ou loucamente o amavam para organizarem da forma que organizaram esse Nacional.
Devo imenso a toda esta gente, o que hoje vou pulsando xadrez, o que hoje amo xadrez, porque estes quase quinze dias, foi um dos períodos que mais contribuíram para a percepção de um xadrez que até aí me era desconhecido. Talvez neste Nacional Absoluto de 1978 tenha percebido o lema “Gens una sumus” da FIDE, aplicado a um campo mais restrito.
Bem Hajam! Que todos estejam de perfeita saúde o meu sincero desejo! A minha sentida ternura da memória neste artigo.
(O meu saudoso e querido amigo Sílvio Santos, já por mim foi objecto de “memorial” na antiga Luso Xadrez).
Simplesmente Fenomenal.
ResponderEliminarFernando Pinho
Notável! Simplesmente...Notável!
ResponderEliminarO que se pode dizer senão que este relato - verdadeiro "fresco" da época de ouro da popularidade do xadrez em Portugal - fala daquilo que todos nós procuramos quando nos deslocamos a um torneio mas sempre, ou quase sempre, não encontramos:
Competitividade e prazer de jogar associados a uma genuína fraternidade entre todos os envolvidos, com momentos de boa disposição e partilha de experiências e culturas.
Que paixão ressaltam das frases deste texto e dos acontecimentos que eles relatam, que fotografias magníficas...e que diferença para as organizações dos dias de hoje e da avaliação que os jogadores delas fazem, jogadores esses que, várias vezes, contribuem eles também, com o seu comportamento inqualificável, para que não haja organização que resista!
Nestes 22 anos em que por aqui ando, só em três ou quatro situações vivi algo de semelhante, mas com muito menos gente e por períodos bem mais curtos: Uma final do Nacional da 3ª Divisão, um torneio no estrangeiro, os dois torneios da Lusoxadrez e...pouco mais.
É verdade sim senhor, o Rui Silva Pereira é, efectivamente, bom jogador mas, acima de tudo, um absoluto "gentleman" do tabuleiro...
O Fernando Silva fala sobre xadrez com paixão, com humor, com descontracção...
O Luís Santos é um analista por excelência, acompanhar as suas análises é como ouvir parte da essência do xadrez colocada em palavras...
Luís Santos e o ténis...no ano passado, um formador do meu sector profissional, Luís Soares, contou que, nos anos 90, combinou jogar com ele uma partida de ténis.
À hora marcada lá estava ele, à espera, quando Luís Santos entra no court, vestindo roupas e calçado de ténis dos anos 70 e uma raquete de madeira com cordas não sintéticas, causando no meu ex-formador o conceito pré-concebido de que o seu adversário não seria particularmente temível...só que acabou cilindrado pelo nosso MI!
Já agora: O tema dessa formação era "A relação interpessoal nas organizações profissionais" e uma das matérias abordadas era a conveniência em não julgar ninguém pelas concepções que os nossos sentidos fazem dessa pessoa, mas sim esperar para ver o seu desempenho para fazer uma avaliação...algo que o nosso formador nos demonstrou com um exemplo prático da sua vida, proporcionado pelo L.Santos!...
António Castanheira
Olá a todos!
ResponderEliminarUm dos organizadores, António Pinho ér meu vizinho na Benedita e é um dos fundadores da Academia Xadrez da Benedita!! Incrivel não é?
Que excelente Memória!!
Um abraço
Cavadas
Olá!
ResponderEliminarDe mim, o xadrez já não se lembrará e dele já quase só tenho vagas memórias e a saudade atenuada com uma ou outra partida na net.
Do evento aqui reportado não me recordo.
Mas recordo outro, próximo no tempo - o Nacional de Júniores de 1975, no Clube Recreativo de Peniche.
Jogava-se uma das jornadas quando na sala apareceu uma rapariga serena, alta e esbelta com um serra da estrela, ainda bébé, ao colo.
Nitidamente, as atenções deslocaram-se dos tabuleiros. A minha deslocou-se tão especialmente que, ali mesmo, nesse momento, nasceu uma paixão da qual resultaram três fantásticos filhos.
Nessa tarde, após a partida cujo resultado creio ter sido negativo, o meu opositor aturou numa conversa interminável a fixação que em mim nascera por aquela rapariga.
É claro que ainda vizualiso cada detalhe da expressão, da afabilidade e da paciência do meu opositor dessa tarde. Era o Sílvio Santos.
Obrigado Arlindo Vieira, por desta forma indirecta me fazer reviver momentos inesquecíveis.
António Machado
Olá de novo!
ResponderEliminarErrata:
- Onde se lê 1975, deve ler-se 1976.
- É claro que ainda visualizo, não "vizualiso".
António Machado
Obrigado Arlindo pelas palavras simpáticas.
ResponderEliminarF Silva
Como foi bom reavivar a memória e reviver uma época de Xadrez e de Campeonato inolvidáveis.
ResponderEliminarAntónio Correia (e não A. Pinho como aparece referido no artigo).
(Para uma melhor identificação, o Toné, o do "dois cavalos" verde - serviço de transporte personalizado).
Bons tempos! (apesar de ser talvez um dos piores torneios, do ponto de vista competitivo) que alguma vez joguei.
ResponderEliminarÉ bem verdade que os anos nos fazem, por vezes, recordar o melhor e esquecer os pontos menos positivos... mas ainda bem.
Abraço, de um dos mencionados, algo envergonhado pelos elogios em grande parte imerecidos :)