Abri o correio eletrónico por voltas das duas da
madrugada.
A notícia, como pedra no meu ser
através de um mail do Presidente do GXP. O Mestre tinha falecido.
Nessa madrugada uma violentíssima
trovoada daquelas das antigas. A minha esposa na sua dureza: O Mestre por tu
não o teres visitado, e algumas vezes to pediu. Eu, quase a abençoar o
tonitruar para esconder a minha dor, abafar o grito mudo que bramia cá dentro.
Sabia que tinha de ser, que haveria de ser, mas…tinha de ser antes de eu ter
tido com ele um último encontro?
Por isto, por aquilo, por nada,
por medo de o ver muito enfraquecido, da tristeza por ter perdido a Sua Senhora
( conhecia-a, e que Grande senhora que era) esposa de uma vida, longe da
jovialidade, daquele sorriso tão xadrezisticamente puro e apaixonado dos
inícios da aprendizagem do xadrez, por não poder frequentar a nova sala do GXP
devido às pernas que já não lhe obedeciam, no fundo por cobardia minha, por
egoísmo afetivo, já que tinha guardado o Mestre Álvaro Machado num cofre tão profundo
e aferrolhado de afeto onde guardo as coisas e pessoas , ou porque o sempre quis centenário ou um pouco
além, ou talvez inconscientemente talvez
o começasse a achar imortal.
Quem Foi o Mestre Machado? O Que
deu ele ao Xadrez? Qual o seu papel no Grupo de Xadrez do Porto?
Em 2011 escrevi neste meu blogue
um longo artigo sobre o Mestre. Que dizer diferente do que lá escrevi?
Sinceramente não sei mesurar o que o Mestre Álvaro Machado deu ao Xadrez
Português, ou ao GXP, mas sei o que me transmitiu, o que com ele aprendi, as
doses de humanidade, simpatia e amor ao xadrez que eu percecionava nos seus
olhos, nas suas mãos quando mexiam uma peça, no sorriso sarcástico sem deixar
de ser afetivo que exibia quando descobria uma nova variante numa análise, num
final.
Ao Grupo de Xadrez do Porto deu
muito, quer como jogador , como dirigente, como árbitro mas sobretudo como uma
forma de ser e estar quase contínuo ao longo de anos e anos na nossa sala, na
nossa maneira de ser GXP. Fui dirigente durante quatro anos e a presença do
Mestre Álvaro Machado todos os sábados era religiosa. O seu carisma, a sua
simpatia, a sua forma de olhar o xadrez e a realidade xadrezista eram para mim
um lenitivo para continuar, para não desistir das dificuldades. Devo-lhe tanto.
Como me lembro da sua alegria pela renovação da Sala do GXP de Passos Manuel,
como lhe agradeço as sugestões de salvaguarda do Património do Grupo, como
ternamente lhe agradeço os elogios com que mimoseava a mim e a Direção pelo
trabalho realizado.
Deixou cedo a competição, hoje
percebo porquê. Apaixonou-se por um outro tipo de xadrez, longe da competição,
mas tão apaixonante como ela. A beleza da partida de outros, a análise, o amor
muito particular a uma fase do jogo-o final, o ambiente de convívio do xadrez,
o Grupo de Xadrez do Porto como entidade viva e interveniente no xadrez
nacional. Tinha uma mágoa: o não ter sido campeão Nacional efetivo no título
coletivo ganho pelo nosso clube, pois tinha sido suspenso do Grupo, porque já
no Palladium já tinha aplicado uma "pera" bem atestada a um dirigente que queria
destruir o Clube numa gestão ruinosa do Grupo. Ouvi-lhe várias vezes esta história contada com um
humor muito próprio “ à La Mestre Machado”, mas onde escondia essa mágoa de não
ter ocupado o tabuleiro que lhe era devido nesse título de 53.
Que era um forte jogador não
tenho dúvidas, até pelas partidas que dele fui conhecendo. Um Jogador de
Categoria de Honra claramente, mas que por razões que aduzi, aliadas a outras,
deixou o xadrez de competição cedo demais dedicando-se a outras atividades,
desde organizador de torneios, passando a planos de desenvolvimento do xadrez
para trabalhadores, ou mesmo a arbitragem – e relembro que foi árbitro do Zonal
para o Campeonato do Mundo de Xadrez
disputado no Algarve em 69.
Sempre presente e atento (Encontro internacional do GXP com jogadores/trabalhadores dos Correios Suíços)
Que amava o xadrez como poucos,
disso é que não tenho dúvidas nenhumas. Já doente continuava a frequentar sites
de xadrez, a acompanhar o xadrez internacional. Ainda Há poucos anos procurava
manobrar o Chessbase, obter revistas eletrónicas, e lembro-me como gostava dos
artigos do Nicolai Minev, ou do Seirawan, os os finais de Mednis. Quer a mim,
quer a outros colegas, pedia frequentemente CD com material diversificado de
xadrez, sendo os finais a grande paixão.
Tinha uma cultura xadrezística
bastante forte, e a memória dos acontecimentos do xadrez português e do GXP
muito ativa.
Vai para 4 meses recebi um seu telefonema. Difícil a comunicação
pelos problemas auditivos que tinha, mas lá veio a saudade e tristeza imensa
pela perda da sua esposa, e o desabafo que as pernas lhe estavam a dar
problemas, mas a confissão que o xadrez ainda era o seu passatempo, o seu
passar dos dias e que me queria ver para ver uns finais comigo e tirar a dúvida
se houve um ou dois campeonatos nacionais de juniores no Porto. Que tinha saudades
minhas….depois de mais umas palavras quase gritadas, despedimo-nos. Como me
senti , não conto, exceto o que me correu pelos olhos abaixo.
(Estes olhos vivos que refletiam xadrez e sorriso inesquecível)
O Grupo de Xadrez do Porto deve
ter algum elixir especial de amor ao xadrez que leva os nossos idosos jogadores
a amarem de forma infinda o xadrez, mesmo no fim da vida: o Mestre continuava a
ter o xadrez como companhia terapêutica no seu ocupar dos dias, o Mestree Faria
fugia de casa sozinho já perto dos 100 anos para vir para a sede do Grupo em
Passos Manuel, etc., etc.
Morreu o Mestre Álvaro Machado.
Morreu alguém muito, muito especial no Xadrez do Grupo, do Porto e mesmo
nacional. Morreu um Homem que amava o xadrez como raramente se ama um jogo, e
que lhe dedicou muito de tempo e afeto e quem ama assim o xadrez só pode ter o
céu por destino, nem que seja o céu de Caissa. O Grupo de Xadrez do Porto
várias vezes mostrou o seu carinho, o seu agradecimento ao Mestre Machado pelo
seu papel na vida do Grupo, mas mais do que isso, importa que o Grupo mantenha
vivo aquilo que Mestre Machado personificava: a simpatia, a jovialidade, o
acolhimento, a paixão de e pelo xadrez.
Morreu-me o Mestre Machado. No
Xadrez muito do que hoje sou, do amor ao xadrez, a ele o devo e por isso não tenho qualquer
pejo em afirmar que ele foi para mim no xadrez uma espécie de Pai, de
Companheiro de Paixão por estre bruxedo que se chama xadrez. E não chamo
impunemente Pai ou Mestre a qualquer um, acreditem.
Caro Mestre Álvaro Machado, Não
fui ao seu funeral. Não consegui. Também não foi preciso, porque não morre quem
vivo em mim continua. E como já não tenho idade para novos Mestres, o Machado
vai continuar a ser o meu Mestre no xadrez. Caro e Amigo Machado, fui buscar as
minhas melhores peças e vou rever o final de Capablanca com Vidmar de Nova Iorque
1927, que você gostava tanto e no qual passamos horas no nosso GXP com o
Machado a tentar várias vezes salvar o Vidmar com variantes que nem estavam no
livro do Chernev, com aqueles olhos vivos e profundos, com aquele sorriso
maroto, belo e poético.
Vou ter saudades suas, ai que não
vou, mas enquanto por cá andar muita gente há-de saber quem foi o Mestre
Machado. Já agora…reserve-me aí umas peças bonitas porque quando partir, tenho
aqui um livro giríssimo do Dvoretsky em que ele mostra que muitos GM atuais de
topo não “vêm um boi” de finais. Pronto… Lá lhe estou a ver esse sorriso
desarmante do estilo “ eu bem lhe dizia, Arlindo!”.
Até já, Meu querido Amigo e
Mestre, Álvaro Machado. Sei que está em paz, porque era um Homem bom!
Duas lendas do GXP - O Meu Mestre e o Mestre Faria
Escrito no Facebook do GXP e insctito cá dentro para sempre.
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