10/09/18

AO MEU MESTRE: ÁLVARO MACHADO








Abri  o correio eletrónico por voltas das duas da madrugada.
A notícia, como pedra no meu ser através de um mail do Presidente do GXP. O Mestre tinha falecido.
Nessa madrugada uma violentíssima trovoada daquelas das antigas. A minha esposa na sua dureza: O Mestre por tu não o teres visitado, e algumas vezes to pediu. Eu, quase a abençoar o tonitruar para esconder a minha dor, abafar o grito mudo que bramia cá dentro. Sabia que tinha de ser, que haveria de ser, mas…tinha de ser antes de eu ter tido com ele um último encontro?
Por isto, por aquilo, por nada, por medo de o ver muito enfraquecido, da tristeza por ter perdido a Sua Senhora ( conhecia-a, e que Grande senhora que era) esposa de uma vida, longe da jovialidade, daquele sorriso tão xadrezisticamente puro e apaixonado dos inícios da aprendizagem do xadrez, por não poder frequentar a nova sala do GXP devido às pernas que já não lhe obedeciam, no fundo por cobardia minha, por egoísmo afetivo, já que tinha guardado o Mestre Álvaro Machado num cofre tão profundo e aferrolhado de afeto onde guardo as coisas e pessoas ,  ou porque o sempre quis centenário ou um pouco além, ou talvez inconscientemente  talvez o começasse a achar imortal.



Quem Foi o Mestre Machado? O Que deu ele ao Xadrez? Qual o seu papel no Grupo de Xadrez do Porto?
Em 2011 escrevi neste meu blogue um longo artigo sobre o Mestre. Que dizer diferente do que lá escrevi? Sinceramente não sei mesurar o que o Mestre Álvaro Machado deu ao Xadrez Português, ou ao GXP, mas sei o que me transmitiu, o que com ele aprendi, as doses de humanidade, simpatia e amor ao xadrez que eu percecionava nos seus olhos, nas suas mãos quando mexiam uma peça, no sorriso sarcástico sem deixar de ser afetivo que exibia quando descobria uma nova variante numa análise, num final.


Ao Grupo de Xadrez do Porto deu muito, quer como jogador , como dirigente, como árbitro mas sobretudo como uma forma de ser e estar quase contínuo ao longo de anos e anos na nossa sala, na nossa maneira de ser GXP. Fui dirigente durante quatro anos e a presença do Mestre Álvaro Machado todos os sábados era religiosa. O seu carisma, a sua simpatia, a sua forma de olhar o xadrez e a realidade xadrezista eram para mim um lenitivo para continuar, para não desistir das dificuldades. Devo-lhe tanto. Como me lembro da sua alegria pela renovação da Sala do GXP de Passos Manuel, como lhe agradeço as sugestões de salvaguarda do Património do Grupo, como ternamente lhe agradeço os elogios com que mimoseava a mim e a Direção pelo trabalho realizado.


Deixou cedo a competição, hoje percebo porquê. Apaixonou-se por um outro tipo de xadrez, longe da competição, mas tão apaixonante como ela. A beleza da partida de outros, a análise, o amor muito particular a uma fase do jogo-o final, o ambiente de convívio do xadrez, o Grupo de Xadrez do Porto como entidade viva e interveniente no xadrez nacional. Tinha uma mágoa: o não ter sido campeão Nacional efetivo no título coletivo ganho pelo nosso clube, pois tinha sido suspenso do Grupo, porque já no Palladium já tinha aplicado uma "pera" bem atestada a um dirigente que queria destruir o Clube numa gestão ruinosa do Grupo. Ouvi-lhe  várias vezes esta história contada com um humor muito próprio “ à La Mestre Machado”, mas onde escondia essa mágoa de não ter ocupado o tabuleiro que lhe era devido nesse título de 53.
Que era um forte jogador não tenho dúvidas, até pelas partidas que dele fui conhecendo. Um Jogador de Categoria de Honra claramente, mas que por razões que aduzi, aliadas a outras, deixou o xadrez de competição cedo demais dedicando-se a outras atividades, desde organizador de torneios, passando a planos de desenvolvimento do xadrez para trabalhadores, ou mesmo a arbitragem – e relembro que foi árbitro do Zonal para o Campeonato do Mundo  de Xadrez disputado no Algarve em 69.

 Sempre presente e atento (Encontro internacional do GXP com jogadores/trabalhadores dos Correios Suíços)

Que amava o xadrez como poucos, disso é que não tenho dúvidas nenhumas. Já doente continuava a frequentar sites de xadrez, a acompanhar o xadrez internacional. Ainda Há poucos anos procurava manobrar o Chessbase, obter revistas eletrónicas, e lembro-me como gostava dos artigos do Nicolai Minev, ou do Seirawan, os os finais de Mednis. Quer a mim, quer a outros colegas, pedia frequentemente CD com material diversificado de xadrez, sendo os finais a grande paixão.
Tinha uma cultura xadrezística bastante forte, e a memória dos acontecimentos do xadrez português e do GXP muito ativa. 


Vai para 4 meses recebi um seu telefonema. Difícil a comunicação pelos problemas auditivos que tinha, mas lá veio a saudade e tristeza imensa pela perda da sua esposa, e o desabafo que as pernas lhe estavam a dar problemas, mas a confissão que o xadrez ainda era o seu passatempo, o seu passar dos dias e que me queria ver para ver uns finais comigo e tirar a dúvida se houve um ou dois campeonatos nacionais de juniores no Porto. Que tinha saudades minhas….depois de mais umas palavras quase gritadas, despedimo-nos. Como me senti , não conto, exceto o que me correu pelos olhos abaixo.


 (Estes olhos vivos que refletiam xadrez e sorriso inesquecível)
 
O Grupo de Xadrez do Porto deve ter algum elixir especial de amor ao xadrez que leva os nossos idosos jogadores a amarem de forma infinda o xadrez, mesmo no fim da vida: o Mestre continuava a ter o xadrez como companhia terapêutica no seu ocupar dos dias, o Mestree Faria fugia de casa sozinho já perto dos 100 anos para vir para a sede do Grupo em Passos Manuel, etc., etc.
Morreu o Mestre Álvaro Machado. Morreu alguém muito, muito especial no Xadrez do Grupo, do Porto e mesmo nacional. Morreu um Homem que amava o xadrez como raramente se ama um jogo, e que lhe dedicou muito de tempo e afeto e quem ama assim o xadrez só pode ter o céu por destino, nem que seja o céu de Caissa. O Grupo de Xadrez do Porto várias vezes mostrou o seu carinho, o seu agradecimento ao Mestre Machado pelo seu papel na vida do Grupo, mas mais do que isso, importa que o Grupo mantenha vivo aquilo que Mestre Machado personificava: a simpatia, a jovialidade, o acolhimento, a paixão de e pelo xadrez.
Morreu-me o Mestre Machado. No Xadrez muito do que hoje sou, do amor ao xadrez,  a ele o devo e por isso não tenho qualquer pejo em afirmar que ele foi para mim no xadrez uma espécie de Pai, de Companheiro de Paixão por estre bruxedo que se chama xadrez. E não chamo impunemente Pai ou Mestre a qualquer um, acreditem.


Caro Mestre Álvaro Machado, Não fui ao seu funeral. Não consegui. Também não foi preciso, porque não morre quem vivo em mim continua. E como já não tenho idade para novos Mestres, o Machado vai continuar a ser o meu Mestre no xadrez. Caro e Amigo Machado, fui buscar as minhas melhores peças e vou rever o final de Capablanca com Vidmar de Nova Iorque 1927, que você gostava tanto e no qual passamos horas no nosso GXP com o Machado a tentar várias vezes salvar o Vidmar com variantes que nem estavam no livro do Chernev, com aqueles olhos vivos e profundos, com aquele sorriso maroto, belo e poético.
Vou ter saudades suas, ai que não vou, mas enquanto por cá andar muita gente há-de saber quem foi o Mestre Machado. Já agora…reserve-me aí umas peças bonitas porque quando partir, tenho aqui um livro giríssimo do Dvoretsky em que ele mostra que muitos GM atuais de topo não “vêm um boi” de finais. Pronto… Lá lhe estou a ver esse sorriso desarmante do estilo “ eu bem lhe dizia, Arlindo!”.
Até já, Meu querido Amigo e Mestre, Álvaro Machado. Sei que está em paz, porque era um Homem bom!

 Duas lendas do GXP - O Meu Mestre e o Mestre Faria

Escrito no Facebook do GXP  e insctito cá dentro  para sempre.

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